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segunda-feira, 29 de março de 2010

GUIMARÃES ROSA: TEMPO HISTÓRICO x TEMPO INSTANTÂNEO - 13


GUIMARÃES ROSA: TEMPO HISTÓRICO x TEMPO INSTANTÂNEO - 13

NEUZA MACHADO



Gaston Bachelard, no capítulo "As superposições temporais”, mostra a diferença entre um tempo múltiplo e relativo e um tempo de qualidade essencial e instantânea, em outras palavras, procura diferenciar o tempo linear histórico do tempo instantâneo, que se encontra suspenso entre o antes e o depois.

Para alcançar o entendimento dessa diferença, exercitou-se pela meditação; procurou esvaziar o tempo linear, retirando os excessos; ordenou os diversos planos de fenômenos temporais. A partir da meditação, percebeu que "os fenômenos não duravam todos do mesmo modo"; percebeu que a idéia de tempo único era uma idéia resumida e imperfeita; percebeu a inexistência do sincronismo entre a passagem das coisas e a fuga abstrata do tempo; percebeu "que era necessário estudar os fenômenos temporais, cada qual segundo um ritmo apropriado, um ponto de vista particular”.

Observando as várias etapas do pensamento de Bachelard, enxerguei o narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga ― amparado pelo pensamento renovado do Artista Literário ― sofrendo o mesmo processo de raciocínio metafísico. Enquanto durou o repouso vital de Nhô Augusto, o escritor pôde repousar também sob o predomínio do repouso fervilhante; pôde refletir sobre vida e espírito; pôde buscar uma solução vertical para sua narrativa, que a partir dali não teria como se manter plena e linear. Ele meditou, esvaziou o tempo vivido das durações malfeitas e desenvolveu um novo raciocínio por meio do narrador. Por estas razões, a narrativa prossegue, mas de forma diferente. Há estranhamentos, insolidez, lacunas, total falta de sincronia na recuperação temporal. O narrador roseano deixa seu personagem

“(...) no escuro e sozinho (...), sem padre nenhum com quem falar. E essa era a consequência de um estouro de boiada na vastidão do planalto, por motivo de uma picada de vespa na orelha de um marruaz bravio, combinada com a existência, neste mundo, do Tião da Teresa. E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

A partir deste trecho, já se observa a duração como a quer Bachelard, onde o tempo decorrido "fervilha de lacunas”, tempo muito próximo das inconsequências quânticas, e na qual não há a continuidade do tempo histórico. Agora, a narrativa recupera os instantes fervilhantes que produzem a idéia de tempo, importando mais destacar o que se encontra entre o repouso e a ação. O narrador sai da objetividade histórica, a história pessoal de Nhô Augusto, Senhor absoluto das Pindaíbas e do Saco-da-embira, Senhor absoluto do Retiro do Morro Azul, além de ser Senhor absoluto do povoado do Murici, e se enreda em seus próprios circunlóquios, ou seja, tenta trazer à luz o que pressentiu, em termos de narrativa, a partir de seu próprio repouso fervilhante. A narrativa passa a ser poética e ritmada; passa a ser construída por um grupo de princípios relacionados entre si, mas que visa unicamente detectar os instantes do pensamento dialetizado.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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