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sexta-feira, 5 de março de 2010

SERTÃO ROSEANO: PUNIÇÃO E GLORIFICAÇÃO




SERTÃO ROSEANO: PUNIÇÃO E GLORIFICAÇÃO

NEUZA MACHADO


O narrador de Guimarães Rosa não enuncia mandamentos de vida, não emite sentenças ideológicas, apenas sonha o Sertão que se encontra dentro do sonho daquele o idealizou. O narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga adota a ideologia dos contos infantis ao punir seu personagem, fazendo-o expiar seus pecados de homem rude e poderoso, mas, ao mesmo tempo, reserva para ele um final que transcende os limites da realidade substancial. Submetido ao sonho do artista, não pune Nhô Augusto com a severidade da justiça humana, ao contrário, transporta-o para uma realidade idealizada, poetizando o desenlace e redimindo-o por meio de uma morte glorificada. Portanto, é o Artista que valoriza os instantes finais de Nhô Augusto, ao invés de puni-lo com a dureza da razão.

No trecho narrativo que registra o retorno do personagem até o momento de sua morte, há a paixão superior da matéria lírica, impedindo o domínio total da razão ordenadora. Consequentemente, há o resgate de velhas frases convencionais, insolitamente inseridas num contexto caótico; o arroubo do narrador vivenciando cada pormenor narrativo na transmissão das minúcias de um sertão poético; o êxtase final, ao narrar a morte de Nhô Augusto, transportando-o para o plano da santificação. O narrador é, indiscutivelmente, representante do Artista literário, ou seja, expressa os sentimentos de um indivíduo paradoxal: sertanejo e moderno. Escrevendo sobre a vida e morte de Nhô Augusto das Pindaíbas e do Saco-da-embira, escreve sobre si mesmo, narra as aventuras que correm dentro de seu universo interiorizado e sertanejo, sem deixar de ser um homem estabilizado dentro de seu núcleo social citadino.

O Artista é escritor e "pensa em eternidades", pensa sobretudo "na ressurreição do homem” (Guimarães Rosa). Nhô Augusto ganhou, pelas mãos do narrador, sua hora e vez, recebeu o privilégio de morrer redimido, porque, pensando na ressurreição do homem (do personagem), o Artista pensa na sua própria renovação, consciente que está dos vários estágios de reconstrução que existem no plano espiritual. Transformando o final de sua narrativa, demonstra não aceitar o tempo do mundo, produzindo um outro tempo, tempo verticalizante, tempo do pensamento, que busca as profundezas da alma, a ascensão ao cogito(4), por entre o devaneio e o infinito da realidade idealizada, por intermédio das recordações poéticas da infância.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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