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sábado, 17 de abril de 2010

1.6 – GUIMARÃES ROSA: ITINERÁRIO FICCIONAL PELO TERRITÓRIO EXCLUSIVO DO SAGRADO


1.6 – GUIMARÃES ROSA: ITINERÁRIO FICCIONAL PELO TERRITÓRIO EXCLUSIVO DO SAGRADO

NEUZA MACHADO



Para entrar na gruta, território exclusivo do sagrado, é preciso ultrapassar os limites do profano. Mas a gruta e suas imagens ainda pertencem ao plano da história, do linear, do sintagmático, do metonímico. É indispensável, antes, conhecer esta dimensão intimamente para, no futuro, alcançar o imaginário-em-aberto das direções preferidas: vertical, paradigmático, metafórico, de imagens maiores. A zombaria direcionada ao Mangolô produz efeito: o ódio do feiticeiro está a caminho, com todo o seu potencial mágico.

“O meu caminho, desce, contornando as moitas de assa-peixe e do unha-de-boi — esplêndido, com flores de imensas pétalas brancas, e folhas hisurtas, refulgindo. No chão, o joá-bravo defende, com excessos de espinhos seus reles amarelos frutos. (...) Entro na capoeira baixa... Saio do capoeirão alto. E acolá, em paliçadas compactas, formando arruamentos, arborecem os bambús. (...) Bem perto que está o bosquete, eu me entorto de curiosidade, mas vai ser a última etapa: apenas na hora de ir-me embora é que passarei para ver os meus bambús. Meus? Nossos... Porque eles são a base de uma sub-estória, ainda incompleta” (“São Marcos”, Sagarana).

Vistos por este ângulo, os bambus inseridos na narrativa formam a base de uma sub-estória que, por enquanto, flutua no mundo da intuição. Esta sub-estória é o primeiro passo da caminhada em direção à criação de um sertão imaginado (mundo labiríntico, imaginário-em-aberto) que transcenderá na fase seguinte as limitações do claramente instituído. Esta sub-estória (pequena narrativa de três páginas: do último parágrafo da p. 236 ao penúltimo parágrafo da p. 240, op. cit.) é uma prova do início da maneira ativa do Ficcionista buscar o plano da Arte, ou seja, de buscar um mundo diferente, paradigmático, a partir do simplesmente intuído.

Mas a narrativa "São Marcos" ainda está ligada aos aspectos visuais da realidade. O mérito do narrador, no momento, é utilizar a audição como forma de seduzir o leitor. O ato de ouvir só será possível com a temporária anulação do ato de ver. A zombaria provocará o castigo e a consequente cegueira do narrador. A descrição de uma natureza exuberante continuará até o momento crucial da temporária perda de visão. A descrição pré-anuncia o impacto da conscientização de um mundo escuro, provedor de uma atividade subterrânea, atividade esta ligada ao plano espiritual, beneficiando-se de uma mana imaginária.

Nesta fase de transição narrativa, o narrador se vale dessa mana imaginária, servindo-se da vingança do preto feiticeiro. O narrador, alter ego do Artista moderno, provocou a vingança do personagem, idealizou esta vingança, para resgatar os espíritos do bosque que o atrai. As forças sobrenaturais da mandinga de João Mangolô se apossam do narrador (narrador: sujeito e personagem ao mesmo tempo; ser multifacetado, indefinível, transitando demiurgicamente entre o real, a fantasia e a criação), obrigam-no a incorporar os espíritos da floresta, para posteriormente (narrativas adiante) induzi-lo a dialetizar essas substâncias que se interligam e direcionar a própria criatividade.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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