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terça-feira, 20 de abril de 2010

1.9 – GUIMARÃES ROSA: REPOUSO FERVILHANTE


1.9 – GUIMARÃES ROSA: REPOUSO FERVILHANTE

NEUZA MACHADO



O princípio dialetizante, que o fez indagar como seria o deus das formigas, mostra-lhe o caminho para o formigueiro (repouso ativado, pensamentos que fervilham), o caminho que o levará a contradizer o mundo das aparências, para penetrar no mundo da pura essência. Um novo mundo, original, primitivo, singular, está em estado de formação. As discórdias íntimas do Artista moderno (já em fase de transição para a pós-modernidade) impõem novas formas de apreensão do narrado. O Artista está contra seus princípios de vida e exige punição para seu ato pecaminoso: seu narrador precisou zombar do mito, para que o mito o cegasse e, com isto, pudesse se libertar das ideologias instituídas.

“A imaginação aborda uma ontologia da luta em que o ser se formula em um contra-ser, totalizando o algoz e a vítima, um algoz que não tem tempo de saciar-se em seu sadismo, uma vítima a quem não se deixa comprazer-se em seu masoquismo. O repouso é negado para sempre. A própria matéria não tem direito a isso. Afirma-se a agitação íntima. O ser que segue tais imagens conhece então um estado dinâmico que é inseparável da embriaguez: é agitação pura. É formigueiro puro" (Bachelard)

A imaginação criadora (aquela que sabe reconhecer os valores da solidão) aborda o ser em luta consigo mesmo. A face demiúrgica do ficcionista de estórias do sertão se rebela contra as imposições substanciais que o acrisolam em conceitos pré-estabelecidos. A ontologia da luta denuncia esta guerra íntima, na qual o Artista Literário do século XX é algoz e vítima ao mesmo tempo. O personagem João Mangolô foi induzido pelo próprio narrador (alter ego) a aplicar-lhe o feitiço que o tornaria cego. O narrador planejou (linearmente) cada detalhe da vingança do feiticeiro; apenas, não estava ainda preparado para dominar as consequências dramáticas da escuridão (plano da pura intuição), e viu-se obrigado a deixar-se levar pela desorientação discursiva, característica central dos narradores modernos (W. Benjamim).

Apropriando-se de duas faces contraditórias (a face do algoz e a face da vítima) e colocando-as na figura do narrador, o porta-voz de valores sertanejos está em vias de abandonar para sempre seus conceitos anteriores de relator experiente, preso às regras e diretrizes substanciais. Aderindo aos devaneios da ação, com direções desejadas, mas não pré-estabelecidas, abandonará também o sossego dos pensamentos repousantes e se envolverá com o dinamismo da criação literária. O ser em luta consigo mesmo é o ser que alcança o plano do silêncio dinamizado.

Para o ficcionista, o fato de interagir com o silêncio dinamizado, ao explanar sobre o araçari, que não musica, apenas ensaia discursos irônicos, tornou-se uma luta discursiva. Descrever é fácil; criar, a partir do escuro, não é fácil. É preciso adivinhar o porvir, o rumo do futuro, já que a desorientação discursiva não conhece o sentido linear de narrativa. Agora, o discurso poético será bem vindo, as onomatopéias também, sem falar da inclusão de versos conhecidos e já conceituados. Assim, as formiguinhas tarús se tornam presas fáceis do pica-pau chanchã, graças ao rataplã barulhento da própria ave que bica a casca da árvore.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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