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sábado, 1 de maio de 2010

3.4 – GUIMARÃES ROSA: A VONTADE DE TRABALHO DO ARTISTA FICCIONAL IMPULSIONANDO MUDANÇAS NO DISCURSO NARRATIVO


3.4 – GUIMARÃES ROSA: A VONTADE DE TRABALHO DO ARTISTA FICCIONAL IMPULSIONANDO MUDANÇAS NO DISCURSO NARRATIVO

NEUZA MACHADO



O poder mítico/ político estrutura todas as narrativas de Sagarana até o momento da queda, da destruição do Olimpo, registrada em A Hora e Vez de Augusto Matraga. A imaginação reprodutora de bem ver, ligada à vontade de poder, cede espaço à criação de imagens materiais repletas de força e vontade de trabalho. O talento do Artista cresce, afastando-o do ato simples de reproduzir o sertão.

A vontade de trabalho em A Hora e Vez de Augusto Matraga transforma o sertão social do passado num ponto de observação submetido à interrogação da imaginação sem limites e à força de uma mão que direciona o ato de escrever. A partir daí, e embasado pelas narrativas iniciais, o verdadeiro sertão roseano começa a adquirir sua forma singular. O Artista se desvencilha da imaginação amarrada das velhas fórmulas narrativas e apodera-se de sua própria imaginação penetrante de deus-que-garante-tudo.

A matéria que dá vida a esse novo universo é o fogo. Já nas primeiras linhas, este elemento faz a sua entrada triunfante: as candeias e lanternas de azeite iluminam a noite do leilão em honra de Nossa Senhora das Dores, padroeira do arraial do Murici; posteriormente, Nhô Augusto é marcado com ferro em brasa (marca do gado do Major Consilva), e recuperado pela chama da fé (velas bentas e candeias de azeite) proveniente da preta que o salvou.

O Artista se recusa, de ora em diante, a reproduzir a figura do Todo Poderoso Senhor do Sertão, mas ainda se submete ao desejo de reproduzir um outro tipo de poder: o carismático. Mesmo assim, já há uma mudança, permitindo uma reavaliação do que foi imaginado antes.

Neste estágio de criação, ele se encontra envolvido por conflitos místicos e existenciais assim como seu personagem. Observa-se sua preocupação com Deus: tanto a consciência de Sua existência como a certeza de que Ele se encontra distante e inatingível. Seu personagem Augusto Matraga indiretamente revela esta certeza: "Ele chama por Deus, na hora da dor forte, e Deus não atende, nem para um fôlego, assim num desamparo como eu nunca vi” (A Hora e Vez de Augusto Matraga), palavras da preta, avaliando o sofrimento físico e espiritual de Nhô Augusto.

O personagem se restabelece dos ferimentos físicos e morais sob os cuidados do casal de pretos. Na hora do sofrimento e prenúncio de morte, e nos dias seguintes, a preta acendeu um coto de vela benta e a candeia de azeite em honra de Nossa Senhora do Rosário em intenção do restabelecimento do doente.

Essa luzinha fazia-o lembrar-se da infância, "era o pavio, a tremer, com brilhos bonitos no poço do azeite, contando histórias da infância, histórias mal lembradas, mas todas de bom e bonito final” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). Por intermédio do fogo o personagem fora punido; pelo fogo, será remodelado.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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