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quarta-feira, 19 de maio de 2010

6.5 – COLORINDO AS CAMADAS ÍNTIMAS DA TERRA-SERTÃO


6.5 – COLORINDO AS CAMADAS ÍNTIMAS DA TERRA-SERTÃO

NEUZA MACHADO




“Visita o quadro de tua vida, cada tábua de teu quarto, a cada canto, e enrodilha-te para alojar-te na última e mais íntima das espirais de tua concha de caracol” (Bachelard).

Grande Sertão: Veredas é o retorno questionador e maravilhado ao sertão da infância. Para que este espaço seja visível em suas minúcias, impõe-se estar iluminado. O personagem-narrador é dono de seu narrar, por que a matéria assinalada está inteira nas mãos do Ficcionista-Artista.

Sob a aparência de Riobaldo, o plenipotenciário do narrar se une intimamente ao sertão de origem. Assim o amor por Diadorim (jagunço de olhos verdes), o amor pelo verde (sertão?) exala um incômodo apelo sexual. O devaneio diante do fogo é um devaneio sexual. O verde sertão é misterioso; Diadorim é misterioso, velado, incompreensivelmente feminino. A aparência é masculina, seja do sertão ou do personagem, mas o interior é feminino, aconchegante.

Em sua escalada aos cogitos superiores, para alojar-se, páginas adiante, na última e mais íntima das espirais de sua própria concha de caracol, o Ficcionista do século XX por ora necessita percorrer, revolver e colorir as camadas íntimas da terra do sertão e sentir a temperatura morna e andrógina de seus rios.

Grande Sertão: Veredas, graças a esse fogo sexualizado, une a matéria ficcional ao espírito de seu criador, denuncia o vício e a virtude como componentes da alma. A ambiguidade se manifesta na narrativa e se faz necessária para que o Artista, posteriormente, possa romper a crosta da terra sertaneja e descobrir seus subterrâneos desconhecidos, veredas desconhecidas, rios desconhecidos, cores desconhecidas. O Ficcionista-Artista da terra e água amalgamadas necessitou do fogo sexualizado para unir-se amorosamente a sua criação literária, e modelá-la mediante um discurso diferente, pela perspectiva maravilhada.

Assim, o devaneio do fogo reúne, numa longa narrativa, as minúcias da natureza (as florezinhas coloridas, os verdes arbustos, os animais, os combates à moda épica, a cavalaria medieval, o pícaro renascentista – face popular dos quinhentos/seiscentos, simbolizada na figura do cego), o ficcional e o poético.

As imagens do sertão aqui são coloridas e excessivas, porque o criador misturou alquimicamente elementos diversos, sem descaracterizá-los, cada um a seu tempo. Inclusive, o ar (ligado por ora à imaginação evasiva e aberta) contribui para engrandecer o sertão nesta fase: "o diabo na rua, no meio do redemunho". Mas é o fogo, inegavelmente, o elemento que ilumina a narrativa, engrandecendo as batalhas e santificando o Amor. Aqui não há união entre matérias diferentes. O fogo não se acasala com nenhum outro elemento, manifestando-se e extinguindo-se solitariamente. Se penso em um acasalamento, nesta narrativa, será ainda a junção da água e da terra, matérias formadoras do sertão propriamente dito.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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