Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, o "Neuza Machado 2", Caffe com Litteratura e o Neuza Machado - Letras, onde colocamos diversos estudos literários, ensaios e textos, escritos com o entusiasmo e o carinho de quem ama literatura.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

14.1 – GUIMARÃES ROSA: ALÉM DO COGITO TRÊS


14.1 – GUIMARÃES ROSA: ALÉM DO COGITO TRÊS

NEUZA MACHADO


Retomando a questão dos tempos superpostos bachelardianos, e refletindo teoricamente sobre a terceira fase da obra ficcional de Guimarães Rosa, observa-se que a realidade temporal ali inserida é formada pelos instantes ativos do pensamento. Nesses instantes contínuos, o tempo é reduzido sob pressão. Esses breves momentos surgem logo depois do primeiro repouso dinamizado, suspensos entre dois vazios (néants) dinamizados, o que o precedeu e o posterior. O repouso em ebulição possibilita, observando essa redução do tempo sob pressão ou compressão, a confirmação da existência dessas lacunas dinamizadas.

O indivíduo, segundo Bachelard, consciente desses instantes ativos, tem pleno acesso ao seu imaculado mundo particular (cogito(3)). A consciência desses instantes intensos (solitários) e energizados isola-o completamente do convívio com os outros e, inclusive, isola-o de seu próprio eu social. A orientação de vida da realidade vital não condiz mais com o seu novo entendimento sobre a essência das coisas, dos homens e do tempo. Esse estado de inação impele-o a rejeitar as exigências externas e sociais, criando dentro de si uma nova forma de se expressar no mundo, já que terá de conviver obrigatoriamente com a realidade de todos os dias.

O indivíduo que alcançou tal estágio, mas que deseja uma convivência pacífica com a realidade vital, procura assim organizar esses momentos inativos, fervilhantes, planejando dar consistência real ao que foi intuído, após o esvaziamento do tempo vital. Nesse estágio intermediário entre o cogito(3), ligado à realidade vital (não confundir com tempo vital), e o cogito(4), ligado à realidade espiritual, intui o mundo amorfo da pura espiritualidade, o que em Ciência da Literatura denomina-se Mundo do Silêncio ou Mundo do Vazio Criador.

O plano intermediário entre o cogito(3) e o cogito(4) (Bachelard postula a idéia dos intervalos vazios: intervalo entre aparência e essência, entre causa e efeito, etc.) é o plano da autêntica solidão do Artista literário moderno (não confundir solidão criativa com solidão social), no momento da intuição de sua futura criação, favorecendo a elaboração de um discurso incompreensível, gerador de textos insólitos.

Penso na incursão de Guimarães Rosa nesse plano, quando procuro decifrar, por exemplo o discurso insólito do índio Iawaretê, personagem-narrador da narrativa "Meu tio, o Iawaretê" da coletânea Estas Estórias. Penso na incursão de Guimarães Rosa nesse plano intermediário, entre o tempo do pensamento e o tempo espiritual, observando as outras narrativas de Estas Estórias, como, por exemplo, as narrativas "A simples e exata estória do burrinho do Comandante", "Os chapéus transeuntes", "A estória do homem do pinguelo", "Páramo" e "Retábulo de São Nunca". Penso também na incursão de Guimarães Rosa nesse plano, observando as minúsculas narrativas de Ave, Palavra, que transmitem ao leitor a sua profunda sensibilidade em seus últimos anos de vida.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

Nenhum comentário:

Postar um comentário