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sábado, 10 de julho de 2010

14.2 - ALÉM DO COGITO TRÊS: SOBRE O CONTROVERTIDO ASSUNTO “SOLIDÃO”


14.2 - ALÉM DO COGITO TRÊS: SOBRE O CONTROVERTIDO ASSUNTO “SOLIDÃO”

NEUZA MACHADO


O escritor Guimarães Rosa dialetizou por vários ângulos a sua criação ficcional, ao longo de suas fases criativas, transmutando-se e transmutando o seu próprio fazer literário. As descontinuidades de seu psiquismo, ou seja, as descontinuidades psíquicas de um eu inserido num caótico mundo de pós-guerra geraram as descontinuidades de sua obra. As narrativas da última fase não lembram mais a fase do Artista extasiado diante da beleza e colorido do Sertão das Gerais, recuperados nas narrativas de Sagarana, como não lembram também a fase do Artista maravilhado diante da descoberta de um sertão particular, um diferente sertão repleto de matéria mítica e de sertanejos sensíveis e ao mesmo tempo ferozes. No encadeamento do psiquismo humano há lacunas, há descontinuidades, e é lícito avaliá-las no plano da criação literária.

Para Bachelard,

“(...) se há continuidade, ela não existe nunca no plano em que um exame particular incide. Por exemplo, a "continuidade" na eficácia das motivações intelectuais não reside no plano intelectual; nós a supomos no plano das paixões, no plano dos instintos, no plano dos interesses. As concatenações psíquicas são muitas vezes hipóteses” (Gaston Bachelard).

A continuidade psíquica nesse caso não é algo simplesmente concedido ao ser; é muito mais uma obra construída ritmicamente pelo próprio ser ao longo do tempo.

“Não seremos seres fortemente constituídos, vivendo num repouso bem assegurado, se não soubermos viver em nosso próprio ritmo, reencontrando, a nosso modo, o impulso de nossas origens à menor fadiga, ao menor desespero. É o que ilustra o belo mito de Siloé, que nos ensina a restituição corajosa, voluntária, pensada, de nossa alma de outrora” (Gaston Bachelard).

Em meio à vida desritmada das grandes cidades e do pós-guerra, o cidadão do mundo Guimarães Rosa, originário do sertão mineiro, reencontrou na criação literária o impulso que o fez retornar e retomar as suas origens. O Mito de Siloé simboliza o desejo humano de retornar a suas fontes primordiais. Em Isaías (Is 8, 5-6) e João (Jo 9, 1-41), há referências a este mito religioso, mito este que foi tão bem lembrado por Bachelard em seu ensaio "L'intuition de l'instant" em Étude sur la Siloë de Gaston Roupnel.

No ensaio "L'intuition de l'instant", Bachelard renova as idéias de Gaston Roupnel, aceitando-as e confrontando-as com as idéias de Henri Bergson sobre o mesmo tema: a questão da duração (do tempo), questão esta sempre reativada desde que o Homem percebeu a sua capacidade de pensar.

Com base na afirmação de Roupnel de que não é o tempo que é uma realidade, é o instante, reexamina metafisicamente e dialeticamente as várias dimensões da duração, repensando cada estágio e determinando-lhe o seu devido valor.

O tempo seria então, ao contrário das várias postulações conhecidas sobre ele, uma realidade o mais restringida possível, acima do instante e entre dois vazios. O tempo, pelo ponto de vista de Bachelard, reelaborado a partir das idéias de Einstein e Roupnel, desfaz-se e renasce intermitentemente, já que é conduzido de um instante a outro, em processo ascensional, engendrando sempre novas e diferentes durações. Por esta razão, Bachelard afirma que o instante gera a solidão, porque, dentro de sua importância metafísica, torna-se algo completamente despojado. Por esta razão, a força que determina a violência criadora do instante isola o indivíduo consciente do mundo social e de si mesmo, enquanto eu social, fazendo-o romper com o passado e impulsionando-o sempre para novas formas de vida.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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