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sábado, 17 de julho de 2010

16.2 – SÉCULO XX: NARRATIVAS DE ACONTECIMENTO


16.2 – SÉCULO XX: NARRATIVAS DE ACONTECIMENTO

NEUZA MACHADO


Consciente da dificuldade em se fixar no plano espiritual, já que isto acarretaria total exclusão do mundo vital, Guimarães Rosa transportou sua inquietude para as difíceis páginas de suas narrativas da última fase. Assim, por exemplo, a narrativa "A simples e exata estória do burrinho do Comandante”, primeira narrativa do corpus de Estas Estórias, é uma retomada inconsciente (ou consciente?) da estória do burrinho pedrês, primeira narrativa do corpus de Sagarana. Entretanto, a história do segundo burrinho desenvolve-se por meio da orientação de uma apreensão literária mais elevada do pensamento. Os espaços em branco (os quais não deverão ser descartados em futuras reimpressões), assinalados por números romanos, revelam os vazios de uma narrativa singular, obrigando o leitor a preenchê-los com a abundância dos próprios pensamentos vitais. Graças a esses vazios, o leitor passa a entender que o “burrinho do Comandante” era um animal diferente dos comuns.

"Um mensageiro, personificação do deus do minuto oportuno, que os gregos prezavam (...) Ainda hoje, quando penso nele, me animo das aragens do largo. Apareceu-me num dia vivido demais, quase imaginado. (...) Eu comandava o Amazonas. Sabe o que é um contratorpedeiro, um destróier? Era — uma lata. Pequenino, bandoleiro e raso, sem peso o casco, feito de reduzida matéria e em mínima espessura — só alma —, seu signo tem de ser todo o da debilidade em si e da velocidade agressiva. O destróier: feito papel” (“A simples e exata estória do burrinho do Comandante”, Estas Estórias).

Submetida aos vagos clarões do tempo espiritual (Bachelard) a descrição do Amazonas não o favorece em absoluto, apenas ressalta com a curta expressão “só alma” a capacidade do Artista Literário do Século XX de se projetar ficcionalmente para fora das expressões corriqueiras. Se a descrição do contratorpedeiro estivesse restrita aos limites vitais (lineares), o narrador roseano certamente teria preenchido páginas e páginas para mostrar ou não a grandiosidade e fortaleza da embarcação.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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