Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, o "Neuza Machado 2", Caffe com Litteratura e o Neuza Machado - Letras, onde colocamos diversos estudos literários, ensaios e textos, escritos com o entusiasmo e o carinho de quem ama literatura.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PRECONCEITO LINGUÍSTICO NO BRASIL DO PASSADO - CONFIRMANDO AS PALAVRAS DO PRESIDENTE LULA

PRECONCEITO LINGUÍSTICO NO BRASIL DO PASSADO - CONFIRMANDO AS PALAVRAS DO PRESIDENTE LULA

NEUZA MACHADO

Hoje republico neste meu Blog uma de minhas Cartinhas aos Homens do Futuro que denuncia a colonização mental imposta aos brasileiros até o ano de 2001. (Uma injusta imposição do conhecimento de língua estrangeira ao povo brasileiro, principalmente a imposição da língua inglesa-americana ― para a elevação social da minoria rica ―; para que o brasileiro de baixa renda ― a maioria ― não pudesse se elevar socialmente e na profissão; para que continuasse sempre e sempre um colonizado mental. É bom esclarecer que, no século XX, antes do inglês, foi a língua francesa a colonizar-nos).

Minhas Cartinhas foram escritas em meus momentos de desilusão com a dominadora política direitista da época, incoerentemente uma política submissa ao poder político-social de outros países do chamado Primeiro Mundo. (Graças ao Bom Deus, mas estendendo também os meus agradecimentos ao Presidente Lula, neste ano de 2010 já não se ouve mais em minha Pátria Tupiniquim esta pretensiosa expressão: Primeiro Mundo).

Por tudo o que está acontecendo hoje no Brasil, neste ano de 2010, é que reedito na Internet as minhas Epístolas de 2001. Por eu ter tido a felicidade de ver o meu País (que tanto amo!) tão bem situado no Mundo (graças ao Presidente Metalúrgico Luís Inácio que sofreu tanto preconceito linguístico e, infelizmente, ainda continua sofrendo ― por parte de uma minoria esnobe) e por ter consciência de que os que governam atualmente o NOSSO Brasil, sob a batuta
do Presidente Luís Inácio, se encaminham cada vez mais no sentido de cuidar de todos os brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, é que me vejo na obrigação de defender ― como histórica testemunha de tais acontecimentos ― as sentidas palavras do Presidente Lula, em seu discurso proferido na cidade de Campo Grande (afirmando que sofreu preconceituosa humilhação, por parte de uma personalidade passageira de um Orgão da Imprensa da época, simplesmente por não saber falar em inglês, e mais preconceituosamente, por ser um pobre metalúrgico aspirando ao honroso título de Presidente da Nação Brasileira).

Ao Presidente Lula quero dizer que as palavras dele ditas ontem no referido Comício na Cidade de Campo Grande me tocaram profundamente. Gostaria de pedir licença ao meu Presidente Lula (NOSSO Presidente, Presidente do MAGNÍFICO POVÃO BRASILEIRO, Povão que não sabe falar nenhuma língua estrangeira, às vezes muito mal consegue assinar o próprio nome, mas sabe muito bem o que é bom para o Brasil) para fazer minhas aquelas palavras. Gostaria de dizer ao Presidente Lula que eu também (entre muitos outros que foram prejudicados em suas carreiras) sofri preconceito por parte de alguns colegas de profissão (em minha atuação como professora de teoria literária), nesses anos todos, por três razões: porque não apresento a imagem já ilustrada e convencionada de professora universitária, por não saber falar a língua inglesa-americana e por ser incondicionalmente partidária do lulismo. Ao Presidente Lula quero expressar os meus agradecimentos, desejando que ele retorne em breve para um glorioso terceiro mandato.


(Todas as minhas Epístolas e outros textos técnicos e literários já foram postados neste mesmo blog
neumac.blogspot.com. Para quem quiser ler as minhas Epístolas aos Homens do Futuro, escritas em 2001 e que estão sendo reeditadas gradativamente, é só acessar o meu outro blog: neuzamachadoletras.blogspot.com. Não querendo mostrar-me como uma pessoa espaçosa, apenas desculpando-me por querer apresentar todos os meus escritos de uma só vez, convido-os a honrarem-me com suas visitas também em meu terceiro blog: caffecomlitteratura.blogspot.com. Meus sinceros agradecimentos a todos que me acompanham. Para quem quiser comunicar-se comigo, para um dedinho de prosa à moda mineira, é só enviar um e-mail para neumac@oi.com.br)


(Em tempo: às vezes o e-mail de meu visitante chega truncado, sem endereço visível, sem possibilidade de reconhecer quem o enviou, por isto não há como responder ou mesmo redirecioná-lo ao link “comentários”)




6 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO - RIO DE JANEIRO, 28 DE OUTUBRO DE 2001

NEUZA MACHADO


(Para o Brasileiro Consciente do Brasil-País do Futuro lembrar-se sempre que existiu um Brasil-Tristes Trópicos até o final do Século XX)


Meus amigos do Futuro, em Meu Tempo Histórico, neste Último Domingo de Outubro do Anno de 2001 ― principalmente em meu Agorá: a Maravilhosa Cidade do Rio de Janeiro ―, cultuamos a chamada Língua Padrão. A Língua Padrão de minha realidade brasilesa segundo os especialistas deverá estar acima dos regionalismos e condizente com os mestres do idioma brasilês. Deveremos, neste Final de Outubro de 2001, estar atentos à correção da linguagem e observar com acuidade os cânones gramaticais prescritos pela tradição clássica, se quisermos o aval de nossos censores. Nossas leis gramaticais impõem severos castigos aos infratores. Os textos técnicos – excetuando os textos artísticos – só serão avaliados como corretos, se não apresentarem solecismos, cacografias, cruzamentos léxicos, expressões viciosas, barbarismos, impropriedades, vícios de tratamento, deformações (alterações na forma das palavras), et cœtera, etc. Assim como os portugueses, os brasileses cultos são muito cuidadosos com o idioma pátrio. Até o momento (até este Mês de Outubro de 2001), acreditem!, só permitimos (incorretamente) a incursão de línguas estrangeiras. Até este momento, sempre adoraaaaaamos outras línguas! Até este Mês Outubro de 2001, abrasilesaaaaaamos diversas palavras oriundas de outros países. Até agora (2001, não s’esqueça!), estivemos a bater palmas entusiásticas para o idioma alheio, mesmo que o falante fosse analfabeto em sua língua de origem, e, pior ainda!, ousamos perseguir (A Minoria Brasilesa Que Se Diz Culta, evidentemente!), com furor!, os falantes brasileses
das camadas dialetais não conceituadas. (Os que batem palmas são, principalmente, os muuuuuuto ricos da chamada Minoria Culta; os inumerááááááveis famélicos que necessitam muuuuuuuuuuuuito mais de alimento saudável, até agora, Outubro de 2001, não tiveram a glória de aprender Língua Estrangeira no Brasil Varonil).

Por esta razão, Vocês estão apreendendo aqui, nesta minha cartinha do Último Domingo do Mês de Outubro de 2001, um leve tom solene e o banimento de palavras chulas e expressões impolidas. Emprego termos adequados porque, quomodo
autêntica defensora de uma forma de falar correta, vou sempre consultar a Gramática da Língua Portuguesa Européia, uma vez que não desejo ser admoestada por meus conterrâneos. Às vezes, consulto o dicionário de minha Brasilesa Língua Pátria e descubro que a maior parte das palavras de meu idioma provém do Latim Vulgar. Para vocês entenderem aí no Futuro Sem-Muro, o Latim Vulgar era a forma de falar das camadas incultas de Roma.

Os soldados romanos ― aqueles que alargaram as fronteiras de Roma e impuseram o idioma latino aos perdedores ― eram oriundos da plebe iletrada, e foram eles, acreditem!, os iletrados soldados romanos, que conquistaram uma boa parte do Mundo daquela época. Meus Amigos do Futuro Brasilês Sem-Muro!, herdamos nosso idioma tão amado desses valerosos soldados romanos, os quais souberam dignificar sua Pátria de origem. Vejam Vocês!, os Povos Autóctones eram obrigados violentamente a ceder seus espaços territoriais aos invasores romanos, perdiam o direito de administrar seus domínios e, ainda, eram obrigados a aceitar o vulgar idioma do vencedor (ora, ora!, como vamos entender tanta vassalagem?). Entendam, meus Amigos do Futuro!, a nossa atual brasilesa decepção, neste Final de Segundo Milênio e Início de Terceiro Milênio, Anno de 2001: não pudemos (nós Brasileses) herdar o Latim Culto porque os intelectuais romanos, autênticos Dictadores das Normas Gramaticais do Latim Clássico, preferiram o conforto da Urbe. Enquanto os soldados lutavam e instituíam o tal idioma deturpado, o poderio de Roma se alargava cada vez mais. Mas, mesmo assim, Graças a Deus!, quomodo Herdeiros Legítimos da Língua do Lácio, inculta e bela
, procuramos sempre Hierarquizar o Idioma Pátrio, talvez, numa tentativa de esquecer o Início de Nossa Trajetória Linguística de Base Vulgar.

Por estas inúmeras razões, cultuamos a severidade linguística e não respeitamos de jeito nenhum! as camadas dialetais que não se enquadram nos pré-requisitos normativos do Bem-Falar.

Mas, nós Brasileses deste Anno de 2001 (apenas os ricos e cultos!) adoramos os Idiomas Alheios!, mesmo que os falantes sejam praláde analfabetos em suas línguas de origem. Se Vocês, Amigos do Futuro Sem-Muro!, vierem, um dia, nos visitar, de volta para o passado, constatarão o que acabo de lhes dizer: não há um canto sequer do Brasil Varonil, Neste Final de Outubro de 2001, sem a contribuição de idiomas estrangeiros. E acreditem em mim!: para os brasileses ricos e cultos (ou os pobres que se acreditam cultos) é uma vergonha sem limites não saber pronunciar corretamente o idioma alheio... E, no entanto, Meus Amigos Brasileses do Futuro!, batemos palmas calorosas para o estrangeiro que sabe estropiar com ou sem elegância nossa língua brasilesa inculta e bela
.

Meus Caríssimos Amigos Brasileses do Futuro!, venham nos visitar! Entrem no Túnel do Tempo e retomem o Passado (principalmente venham visitar este Anno de 2001). Este meu Presente Histórico será o Passado Histórico de Vocês. Venham informar-me o que tanto desejo saber: Vocês continuam falando o Brasilês
?

Meus Amigos, de verdade, com Muito Amor no Coração!, espero que o Brasil do Futuro aceite suas diversas características dialetais, superando a terrível e comandada insegurança linguística que o faz prestigiar outras línguas que não a própria. Só assim irá amadurecer como Nação Soberana. Os diversos estratos linguísticos deveriam ser respeitados e não ridicularizados, o que, normalmente, ocorre por aqui (até esta data do Último Dia do Mês de Outubro do Anno de 2001).

No próximo Domingo enviar-lhes-ei outras notícias. Aguardem-me! E recebam o Meu Grande Amor por Vocês e o Meu Ampliadíssimo Abraço Transecular!


ODISSÉIA MARIA, filha legítima de Antônio Aquileu e Jane Briseides, descendentes de Gloriosos Caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região misteriosa e mágica situada na parte Leste do Brasil Varonil.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

02 DE OUTUBRO DE 2009: UMA BRASILEIRA REPLETA DE SONHOS DE GRANDEZA PATRIÓTICA

(blog.planalto.gov.br)


02 DE OUTUBRO DE 2009: UMA BRASILEIRA REPLETA DE SONHOS DE GRANDEZA PATRIÓTICA

NEUZA MACHADO


Em 2001, depois daquele fatídico 11 de Setembro nos Estados Unidos, um fato que abalou os alicerces do Mundo da Pós-Modernidade, eu me percebia uma pessoa socialmente angustiada. Envolta por vários desconfortos político-sociais, visualizava para nós brasileiros, em relação ao futuro imediato, um Brasil sem perspectivas de crescimento sócio-financeiro (para a maior parte dos brasileiros, aqueles jamais agraciados com uma condição econômica razoável).

Naquele momento (em 2001), uma angústia absoluta se alojou em meu coração, uma pré-ocupação com o Porvir, uma sensação de derrota irreversível (pois o governo do momento já estava quase finalizando o seu mandato e ainda não apareciam as melhoras sociais prometidas). O meu salário como professora horista, por mais que eu trabalhasse em Instituições diferentes ― na época, duas matrículas em Instituições Privadas ―, não me creditava uma razoável tranquilidade para que eu pudesse saldar os diversos compromissos financeiros/familiares.

A fome de milhões de brasileiros da chamada Classe dos Excluídos (naquele ano de 2001, computando a maior parte) era o tema preferido nos noticiários dos jornais (quem estiver interessado em entender o assunto, é só pesquisar nos jornais e Internet daquela época), os quais instalavam o pânico e a impressão de que poucos brasileiros se salvariam da iminente hecatombe, e poucos teriam a chance de sair do Brasil levando suas fortunas para qualquer outro país mais desenvolvido (até mesmo a mídia, aliada ao governo da época, viu-se obrigada a noticiar a terrível praga que estava atingindo a maioria da população brasileira).

Foi então que, submetida às pressões vitais daquele início de Terceiro Milênio, iniciei as minhas Epístolas aos Homens do Futuro, utilizando-me de palavras provocativamente modificadas (pois os jargões estrangeiros imperavam no Brasil, sendo exaltados nas propagandas de cursos de idiomas, principalmente nos cursos de inglês). Em contrapartida, nas entrelinhas das Cartas, eu demonstrava uma confiança inabalável em uma reviravolta político-social que propiciasse aos brasileiros de baixa renda, e aos sem nenhuma renda, melhores dias de vida.

Naquele ano de 2001 (em que eu me via submetida a um altíssimo grau de desilusão patriótica), inseri nas ditas Cartas minhas íntimas premonições. Entretanto, as tais Cartas relacionavam-se a um Porvir melhor, anunciando aos Brasileiros do Futuro uma Nova Pátria que, segundo os meus supostos vaticínios, se mostraria grandiosa, afortunada.

Mas, observava a provável evolução daquela realidade brasileira (muuuito almejada!) por uma ótica temporalmente distante.

Em meus sonhos de grandeza patriótica, vendo o Brasil devendo ao FMI (os Impostos impostos não eram suficientes para saldar a dívida), pensava que não iria presenciar, com meus olhos, de corpo presente, um momento tão importante para a minha Nação. Não percebia, para o meu gáudio instântaneo, em termos vitais, a possibilidade de uma evolução tão impetuosa dos acontecimentos. Mesmo com pouca esperança em uma rápida e benéfica transformação social para o Brasil, nas eleições presidenciais (que vieram a seguir), apostei todas as minhas fichas político-partidárias na vitória do petista metalúrgico Luís Inácio da Silva (aliás, apostas estas reincidentes, teimosas, conscientes, que já haviam sido praticadas em eleições anteriores em favor de Luís Inácio).

Assim, quando, em plena Era Lula (um grande e iluminado Presidente, ainda hoje menosprezado preconceituosamente pela mídia opositora e pela pequena elite burguesa do Brasil), para a minha indisfarçável alegria, leio a matéria jornalística especializada em Economia, “Crise Fortaleceu o Papel do Brasil No Mundo, Dizem Analistas”, no Site BBC do Brasil (07 de Setembro de 2009), a minha emoção se torna algo inenarrável. A minha confiança por saber que os meus futuros bisnetos nascerão em um País respeitado no mundo inteiro é algo que (segundo meus pensamentos deste momento) merece registro. Mesmo que o meu País não se torne (no Futuro) o Maioral entre os países maiorais do Planeta, o fato da terríííííível fome no Brasil (principalmente no Nordeste), neste momento já se encontrar sob um razoável controle (apesar de bolsões de pobreza extrema ainda existirem), o meu coração já se sente aliviado.

Não obstante os problemas dos brasileiros ainda não terem sido devidamente solucionados, neste penúltimo ano do segundo mandato do Presidente Lula, neste mês de setembro de 2009, percebi que foi conscientemente válido ter apostado em sua segura Gerência Presidencial (apesar da mídia opositora).

E hoje, 02 de Outubro de 2009, consolidou-se a minha certeza. E sei também que no final do ano de 2010 estarei com o meu coração em paz!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

XXX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: FUGINDO DE JANE MAMÃE

XXX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: FUGINDO DE JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO

Meu casamento aconteceu cedo. Aos dezoito anos fugi de Jane Mamãe por intermédio de vias legais, ou ardilosamente Jane Mamãe livrou-se de mim, encaminhando-me para o casamento. Apenas sei que, pela primeira vez em nossas vidas, acabamos concordando em alguma coisa. Jane Mamãe e Antoinzinho Papai quiseram o casamento na Igreja Católica Romana e no civil, e eu também. Eu estava aflita para sair do jugo de Jane Mamãe, daqueles falatórios intermináveis, daquelas choramingadeiras cotidianas. Isso porque, para livrar-me do domínio de Jane Mamãe, sem casamento, eu teria de tomar uma atitude bastante drástica que, por certo, não me beneficiaria, ou seja, teria de fugir de casa, sem recursos financeiros, arriscando-me a uma provável prostituição. Ora, Meu Caro Ouvinte!, se eu vim ao mundo com a plena consciência de que tudo aqui me seria agradável enquanto vida eu tivesse, não seria a liberdade desenfreada que iria proporcionar-me tal coisa! O casamento foi uma importante mudança em minha vida. Mas os relatos do casamento (foi muito aprazível durante os muitos anos em que durou), da separação (não foi traumática) e outros prováveis ajuntamentos, contar-lhe-ei depois!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

XXIX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: MEU IRMÃO CAÇULA, UM QUASE-ANTOINZINHO PAPAI

XXIX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: MEU IRMÃO CAÇULA, UM QUASE-ANTOINZINHO PAPAI

NEUZA MACHADO

Meu irmão caçula sofreu as consequências de ter uma Jane Mamãe já velha e redobradamente incompreensível. Jane Mamãe o sufocou com seus cuidados em sua infância e adolescência, e ele a driblou sempre, fugindo de sua autoridade infantilizada. Pelo meu ponto de vista, preservou-o de graves danos existenciais a circunstância de eu já estar casada e com filhos quase da idade dele, pois assim ele passou seus primeiros anos de vida mais ao meu lado.

Orgulho-me de meu irmão caçula! Sei que, enquanto ele foi criança, procurei orientá-lo positivamente, a despeito do comparecimento opressivo de Jane Mamãe (afinal, o filho era dela!). Sei que fui, para ele, uma outra espécie de Jane Mamãe-Irmã muito enérgica, mas posso afiançar que houve diálogo entre nós e que ele compreendeu o motivo de minha atitude firme a mostrar-lhe as diretrizes das conveniências sociais. Hoje (já centenária) obrigo-me a crer que ele entendeu minhas preocupações e o meu empenho em direcioná-lo para um futuro sem máculas.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

XXVIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: LEMBRANÇAS DO PASSADO

XXVIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: LEMBRANÇAS DO PASSADO

NEUZA MACHADO

Gostaria de afirmar, e afirmo, que o sentimento de não aceitar certas atitudes de Jane Mamãe não era apenas privilégio meu. Meus irmãos (três irmãos de idades variadas em relação à minha idade: o primeiro, dez anos mais velho, outro, sete anos mais velho, e o terceiro, treze anos mais novo) também sempre demonstraram uma indisfarçável desaprovação contra o comportamento desequilibrado de Jane Mamãe. O segundo, coitado!, nem se fala!, sofreu nas mãos dela. Cada chinelada que o nobre recebeu quando criança e adolescente que nem dá para contar. O mais velho e o caçula foram os mais amados. Jane Mamãe, à sua maneira, os mimou demais, mas, nem assim, a recíproca foi verdadeira. O amor sufocante de Jane Mamãe pelo filho mais velho foi verdadeiramente prejudicial, pois o transformou também em uma grande criança, mas, graças a Deus!, foi um trabalhador. Mesmo posicionando-se como um homem laborioso (enquanto viveu aqui nesta terra de Deus), esse irmão mais velho exteriorizou também um certo desconcerto existencial.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

XXVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: UM SUTIL SENTIMENTO DE REJEIÇÃO

XXVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: UM SUTIL SENTIMENTO DE REJEIÇÃO

NEUZA MACHADO

Com o passar dos anos fui desenvolvendo um sutil sentimento de rejeição contra Jane Mamãe (só hoje me dou conta da rejeição, ao narrar-lhe fatos tão antigos!). O seu jeito de camponesa e suas vestimentas, acrescido do lenço no cabelo, nunca me incomodaram! Tenho um orgulho tremendo de minhas origens. Envergonhava-me de seu gênio, às vezes violento, às vezes melodramático, às vezes choroso; envergonhava-me, sobretudo, de seu desleixo. Hoje sei que Jane Mamãe era uma pessoa enferma e nunca cresceu realmente, permaneceu sempre uma criança poderosa, mimada e enjoada (mas, para aboná-la, houve também as perdas irreparáveis de quatro filhos pequenos). Antoinzinho Papai sempre compreendeu os desajustes mentais de Jane Mamãe e suportou-os, permitindo os seus desmandos. Penso que o relacionamento o satisfez de alguma forma, senão o casamento deles não teria durado mais de cinquenta e cinco anos.

domingo, 15 de agosto de 2010

XXVI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O COFRE ESCONDIDO DE JANE MAMÃE

XXVI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O COFRE ESCONDIDO DE JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO

Jane Mamãe guardava o ordenado de Antoinzinho Papai com avidez. Segundo seu ponto de vista, o dinheiro de Antoinzinho Papai era dela, porque quem passava necessidade para juntá-lo era ela (Antoinzinho Papai não se incomodava!). Jane Mamãe jamais esquecia as privações passadas, visando o bem-estar da família. Incoerentemente, a família nunca conseguiu ter dinheiro, apesar do controle de Jane Mamãe. Naquele tempo, ela escondia o dinheiro em uma fresta da cabeceira da cama, feita de madeira compensada, totalmente oca por dentro. Quando da mudança monetária, que ocorreu em princípios dos anos mil novecentos e sessenta, Jane Mamãe, ignorante em assuntos bancários, não soube agir rapidamente e, infelizmente, o seu suado dinheirinho, escondido a sete chaves, virou pó. Uma parte do dinheiro de Antoinzinho Papai, proveniente de longos anos de trabalho estafante, transformou-se apenas em lembrança.

sábado, 14 de agosto de 2010

XXV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: VOLTANDO AO ASSUNTO DO VESTIDO BONITINHO

XXV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: VOLTANDO AO ASSUNTO DO VESTIDO BONITINHO

NEUZA MACHADO

Mas, voltando ao assunto do bolero do vestido de alcinhas. Em uma das várias casas de minha infância, em uma Cidade de Minas Gerais, existia um porão, onde era guardada toda tralha sem valor. Jane Mamãe sempre guardou tudo. Até ao final de sua vida teve mania de guardar caixa plástica de margarina, de iogurte, caixas de ovos, papel, copos de plástico, latas vazias de salsichas, de leite em pó, et cetera, etc., etc., etc. Assim, naquele tempo, Jane Mamãe já guardava tudo, mas não usava nada nem recriava objetos, como fazem os artistas. Ela simplesmente amontoava coisas inúteis dentro de casa e no porão. No porão existia uma pilha de revistas velhas, e foi exatamente sob essas revistas que escondi o bolero-lero que tanto me incomodava. Jane Mamãe nunca desconfiou de minha traquinagem, tenho plena certeza (se, naquela época, tivesse desconfiado, teria recebido uma surra inesquecível), e eu pude vestir o vestido de alças até o fim (dele, naturalmente). Em princípio, pensei que Jane Mamãe não fosse permitir o uso do vestido, mas o seu hábito de economia falou mais alto e, felizmente, pude usufruir o meu amado vestido de alcinhas, talvez a única peça de roupa feita por Jane Mamãe que realmente me agradou.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

XXIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: AINDA O ASSUNTO DA ARRUMAÇÃO DA CASA DE JANE MAMÃE

XXIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: AINDA O ASSUNTO DA ARRUMAÇÃO DA CASA DE JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO

Jane Mamãe não me permitia que arrumasse a casa em paz (somente sob intenso falatório, de lado a lado), não porque não quisesse me ver trabalhando no pesado (sua única filha, excetuando a prole masculina), o que não seria nada de mais!, mas simplesmente porque a minha atitude, ao fazer a arrumação, a ofendia profundamente. Às vezes, eu e Antoinzinho Papai passávamos o sábado limpando a casa, naturalmente sob os protestos de Jane Mamãe que se sentia melindrada (já que ela não iria participar da arrumação, de jeito nenhum!). Eu e Papai limpávamos a casa, enquanto Jane Mamãe nos afrontava com todos os palavrões caipiras que conhecia (no caso, só eu retrucava e Antoinzinho Papai ficava calado). No raciocínio dela, nós fazíamos a limpeza da casa só para implicar com ela.

Necessito reafirmar-lhe que Antoinzinho Papai se limitava a escutar pacientemente e esta atitude de Papai aumentava a irritação de Jane Mamãe. Enquanto durasse o trabalho de limpeza e arrumação da casa, Jane Mamãe falava sem parar, atropeladamente, aos gritos, às vezes choramingando, e nos injuriava o tempo todo. Sentada em uma poltrona, confortavelmente instalada, começava um servicinho de mão qualquer, que a deixasse temporariamente com as mãos ocupadas, impedindo-a de participar do serviço pesado, e dali vigiava nossos movimentos, enquanto não parava de falar. Quase sempre, o falatório de Jane Mamãe estendia-se pela noite de sábado adentro, alcançava o dia de domingo todinho e, durante os sete dias da semana, retomava a falação por umas três horas mais ou menos, à noite, quando Antoinzinho Papai chegava do trabalho. O Santo Antoinzinho Papai pegava em seu terço católico e rezava, em silêncio, um rosário de preces para Nossa Senhora das Causas Perdidas (três vezes seguidas rezava o terço). Antoinzinho Papai nunca levantou a voz para brigar com Jane Mamãe, nunca levantou a mão contra ela. Enquanto isso, ela o chamava de frouxo, sangue-de-barata, molenga, bobão, incapacitado para ganhar dinheiro, e outros apelidos ofensivos. Ele suportou as ofensas de Jane Mamãe sem reclamar até a hora de sua morte.

Essa atitude de Jane Mamãe deixava-me angustiada (naquela época, não percebia o lado doente de Mamãe). De qualquer maneira, por causa de Jane Mamãe, tenho horror a essas mulheres que ofendem seus maridos na frente de todos. Hoje, olhando o passado com Jane Mamãe, penso que ela o provocava porque ele não se mostrou capaz de dominá-la. Antoinzinho Papai, apesar de suas inegáveis qualidades como marido, não preencheu as expectativas de Jane Mamãe (mesmo, porque ela o impedia de progredir, com seus ciúmes sem causas). Constantemente, eu a ouvia nervosa e agitada, chamando-o de imprestável. De qualquer maneira, minha Jane Mamãe sentiu a morte de meu Antoinzinho Papai. A seu modo, ela o amava (e a recíproca era verdadeira, porque só ele a compreendia).

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

XXIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O LINDO VESTIDO DE ALCINHAS

XXIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O LINDO VESTIDO DE ALCINHAS

NEUZA MACHADO

Ah!, meus inesquecíveis anos escolares! Quase sempre, tirava o primeiro lugar (perdi por duas vezes, para um coleguinha dois anos mais velho do que eu). Durante os primeiros anos escolares saboreei o gostinho do primeiro lugar nas provas mensais e de final de ano. Recordo-me, principalmente, das festas, nas quais eu me destacava, fosse discursando de improviso (o que envaidecia a professora), fosse recitando os poemas dos grandes poetas, ou atuando nas peças dramáticas, quase sempre, escritas por mim. Vale dizer-lhe que, nessas ocasiões, Jane Mamãe se enchia de orgulho. Paradoxo mais do que explicável: ela era a Jane Mamãe do fenômeno da escola, naqueles anos primaveris de minha infância e adolescência. Cheia de altivez, Jane Mamãe me exibia como se exibisse um troféu. Só que, em casa, a guerra era tremenda, porque nossos gostos, quanto à forma de vestir-me em dias de festas, não coincidiam.

Jane Mamãe costurava, para mim, uns vestidos horrorosos, vestidos de velha-coroca, com laços, babadinhos na gola, mangas compridas, saia comprida, et cœtera, e obrigava-me a usá-los, por meio de tapas e falatórios. Eu chorava, esperneava bravamente, genioooooosa! (uma réplica infantil de Jane Mamãe), mas meus protestos não adiantavam muito. Humilhada, lá ia eu para as festividades escolares, e a minha única satisfação era brilhar, brilhar, brilhar, graças ao poder da interpretação, desviando assim a atenção da platéia do vestuário horroroso que me revestia (naquele momento, segundo o meu ponto de vista infanto-juvenil). Talvez, nas festividades escolares, a platéia visse, naquela roupa, a roupa de teatro, que é geralmente estranha. Talvez, a menina vestida com roupas de velha agradasse também por isso, porque era um vestuário diferente. Mas a verdade era bem outra. Se eu vestia aquelas roupas era porque, se não as vestisse, apanhava.

Um dia convenci Jane Mamãe a fazer-me um vestido de alcinha. Não sei como, mas consegui. Também já estava com onze anos. Quero explicar-lhe que Jane Mamãe só costurava por necessidade. Ela não gostava de trabalhar dentro de casa em serviços domésticos (gostava de trabalhar no quintal, plantando verduras, criando galinhas e porcos). Às vezes, cortava um vestido ― para mim ou para ela ―, e o tecido cortado ficava rolando na gaveta sem que Jane Mamãe se dispusesse a terminá-lo. Assim, minha Jane Mamãe costurou o vestido tomara-que-caia com alças finas (até que ficou bem bonitinho!), mas, fez também um bolero curtinho (um casaquinho para se sobrepor a um vestido de alças ou blusa decotada).

Eu era obrigada a usar o vestido de alças com o bolero. Nesse caso, não era vantagem alguma ter um vestido de alças (muito decente, por sinal, pois eu ainda não tinha seios), para exibi-lo nas solenidades da Escola. Minha danadisse funcionou logo na primeira semana de existência do tal vestido. Muito habilidosa em travessuras infantis (menos na escola, onde eu recebia de dona Clara a nota máxima por bom comportamento), fiz desaparecer o odiado bolero. Escapei ilesa. Jane Mamãe nunca descobriu a minha traquinagem (ou fingiu desconhecer!). Desaparecer coisas na casa de Jane Mamãe sempre foi acontecimento normal, graças ao seu horror a serviço doméstico. Jane Mamãe só conheceu o prazer de ver a sua casa bem arrumada no meu período de adolescência, quando os pretendentes começaram a rondar-me, fazendo-nos visitas periódicas. Mesmo assim, nesses dias de arrumação e brilho da casa, o ambiente tornava-se insuportável. Jane Mamãe não aceitava, de forma alguma, que eu pusesse a casa em ordem, e, enquanto eu limpava e arrumava os móveis (de vez em quando, é bem verdade!), ia falando nervosamente: “Quem quiser namorar você, e casar com você, vai ter de aceitar a minha casa bagunçada, sim senhora!... Não mexa nas minhas coisas!... Não quero você fuçando nos meus trens!... Sai, sai daqui, sua enxerida!” E por aí vai...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

XXII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O ACONTECIMENTO DO PRIMEIRO DIA DE AULA

XXII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O ACONTECIMENTO DO PRIMEIRO DIA DE AULA

NEUZA MACHADO

Dessa época da escola primária, maravilhosa!, me lembro do primeiro dia de aula. Papai havia me matriculado no Grupo Escolar, de manhã cedinho, quando fora para o trabalho. Como era o primeiro dia de aula, naquele mesmíssimo dia, resolveu voltar ao Sítio, para me buscar. Foi uma correria. Não havia roupa passada, não havia café coado. Papai constantemente saía para o trabalho sem o café da manhã, e nobre dele se dissesse alguma coisa, se reclamasse; a casa viria abaixo, com certeza. Como eu estava dizendo, foi um rebuliço sem tamanho, uma bulha das maiores. Resultado: saí com a roupa amarrotada (eu estava já com sete anos, completados no final do ano anterior), sem alimentação, mas feliz da vida com a novidade.

Tudo correu bem até um determinado momento. Lá pelas oito horas da manhã, mais ou menos, Antoinzinho Papai apareceu, em plena sala de aula, com um calderãozinho de comida para mim. Os alunos todos riram. As crianças da pequenininha cidadezinha estavam rindo de mim e eu (tão roceirinha!) não alcançava o motivo para tanta risada. Riso debochado de criança de cidadezinha machuca até a alma. Estavam rindo, porque, para elas, acostumadas com um outro padrão de vida, um padrãozinho um pouquinho inho mais elevado, a cena de um pai zeloso (o que certamente elas não conheciam), com um caldeirãozinho de comida na mão, devia ser deveras engraçada. Um pai levando comida para a filha, em pleno horário de aula (naqueles meados de século XX), era motivo de riso entre a criançada. Dei-me conta, ali, pela primeira vez, que a maldade humana existe até mesmo nas crianças.

A professora (santa professora!) percebeu a minha vergonha e levou-me para comer a comida de Jane Mamãe no refeitório da Escola. Engoli o alimento como se estivesse saboreando o manjar amargo da impotência ante a falta de compreensão dos adultos (de Jane Mamãe e de Antoinzinho Papai, incluindo a Diretora da escola, pois foi ela que permitiu a entrada de Antoinzinho Papai na sala de aula). Não será preciso dizer-lhe que fora Jane Mamãe a autora da idéia de levar-me comida (coitadinha!, estava com remorsos!) e que Antoinzinho Papai não passava de simples joguete em suas mãos. É bem verdade que eu estava em jejum, sem o café da manhã, mas havia outros meios, mais discretos, para entregar-me a marmita, como, por exemplo, chamar-me diretamente ao refeitório. Ali, eu poderia saborear a comida em paz, sem aturar o riso debochado das outras crianças. Afinal de contas, era o meu primeiro dia de aula!

Naquele dia, já em casa, chorei muito. Aquela humilhação sem sentido proporcionou-me (inconscientemente) traçar os rumos de meu futuro. Hoje compreendo a preocupação de Jane Mamãe, mas nunca compreendi o desleixo dela em relação aos pequeninos afazeres de um lar, tais como fazer o café da manhã para a família, passar a roupa dos filhos ainda pequenos e do marido, et cetera. Apesar do dinheiro mensal de Antoinzinho Papai não ter sido lá essas coisas, Jane Mamãe nunca trabalhou fora. Quem suava no trabalho pesado e tocava nas festas para ganhar dinheiro (e trabalhava em casa, compensando o alheamento de Jane Mamãe) era Papai. Não quero que você, meu passageiro leitor!, pense que eu seja apologista da mulher-escrava-do-lar. Sou a favor da liberdade da mulher, mas da liberdade consciente. Durante a minha vida toda, lutei por essa tal liberdade. Minha queixa de Jane Mamãe é muito simples: ela não fazia nada, não trabalhava em casa nem fora de casa, apenas dormia e comia, e brigava com as vizinhas, e só cozinhava as refeições da casa inspirada pelo seu próprio estômago.

Na Escola, o caso da marmita gerou risos durante muito tempo, mas serviu para que eu ganhasse o afeto da Professora (graças a Deus!), que depositou em mim sua atenção permanente. D. Clara (nome fictício) transformou-me em aluna-modelo. Foi a partir dessa particular atenção que comecei a interessar-me pelos estudos, principalmente, por Literatura e História. Eu não saía da biblioteca de nosso Clube de Leitura Vovô Felício. Adorava ler aquelas histórias fascinantes de Júlio Verne, as viagens extraordinárias de marinheiros corajosos, que saíam em busca de novas terras e muitas aventuras. Decorava todas as poesias dos poetas românticos, parnasianos e simbolistas e recitava-as nas grandes ocasiões, nas festividades escolares. Passei a viver em um mundo diferente, por intermédio dos livros, crescendo intelectualmente através daquelas palavras, e firmemente desejosa de fazer desse mundo irreal uma realidade.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

XXI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O PRIMEIRO DIA DE AULA

XXI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O PRIMEIRO DIA DE AULA

NEUZA MACHADO


No ano seguinte fui para o Grupo Escolar. Era uma festa sair todas as manhãs do jugo de Jane Mamãe e ir com Antoinzinho Papai, de bicicleta, para a escola. Depois da Escola, ia para o trabalho de Papai, lá encontrando a marmita de comida (dois calderõezinhos esmaltados, pequenos, que Jane Mamãe preparava para mim e Antoinzinho Papai, à noite, antes de dormir). As duas marmitas já vinham conosco pela manhã. Por volta de cinco horas da tarde (horário do término do trabalho de Antoinzinho Papai), voltávamos para casa.

Esse ajuste, para solucionar o problema do meu retorno, da escola para casa, só durou seis meses. Já acostumada com a novidade, passei a voltar com as colegas de escola, nossas vizinhas (a criançada toda, descalçada, com os sapatinhos na mão, a chutar a areia da beira do caminho, fazendo algazarra pela estrada capeada com saibro).

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

XX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O SÍTIO DA BEIRA DA ESTRADA

XX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O SÍTIO DA BEIRA DA ESTRADA

NEUZA MACHADO


No Sítio (que se localizava à beira da estrada de rodagem), fomos morar numa casa de meeiro (meeiro é o lavrador que toca serviço a meia com o dono das terras), mas Antoinzinho Papai já não trabalhava, por essa época, na roça, não, mas sim na Cidade. Papai era chefe-maquinista em um grande Entreposto de Cereais. Era ele quem controlava e manejava as máquinas que apuravam os cereais da região. Cereais diversos (arroz, feijão, milho) que, depois de limpos e curados, eram colocados em grandes sacos (de estopa ou de algodão rústico) e enviados para os armazéns das grandes capitais. O Sítio pertencia ao Patrão de Antoinzinho Papai, um Senhor oriundo do Rio de Janeiro que o considerava muito e sabia dos problemas que o nobre enfrentava com Jane Mamãe. O Sítio se localizava distante da Cidade uns trinta minutos a pé. Até que o Sítio era um lugar aprazível. Só tornou-se um lugar insuportável porque Jane Mamãe (uma herdeira de perdidos sobrenomes da antiga aristocracia mineira) cismou em mandar nos empregados muito mais do que o próprio dono.

domingo, 8 de agosto de 2010

XIX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O CIÚME DE JANE MAMÃE

XIX - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O CIÚME DE JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO


Ah!, o ciúme doentio de Jane Mamãe. Antoinzinho Papai andava com os olhos recolhidos para evitar a ira de Mamãe. Papai não olhava para outras mulheres porque senão era briga para três dias seguidos. Por causa dos ciúmes de Jane Mamãe, Papai resolveu mudar de residência. Saímos da Velha Casa próxima ao Pontilhão de Ferro, casa em que nasci, e fomos morar em um Sítio do Senhor Delilo Coutinho, um pouco distante da Cidade. Eu tinha nessa época uns seis anos mais ou menos.



sábado, 7 de agosto de 2010

XVIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: DONA LAURINDA

XVIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: DONA LAURINDA

NEUZA MACHADO

Lembro-me de Dona Laurinda Magrinha (nome fictício), nossa vizinha, quando morávamos ainda perto do Pontilhão de Ferro, onde o Trem do Sertão passava sempre nos horários certos. Nos memoráveis bate-bocas, Dona Laurinda ganhou de Jane Mamãe os apelidos de Laurinda Magricela, Laurinda Linguaruda, et cetera, et cetera, etc.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

XVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: SEU ATÍLIO, DONA DIDICA E DONA MILOCA

XVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: SEU ATÍLIO, DONA DIDICA E DONA MILOCA

NEUZA MACHADO


Lembro-me sempre de Seu Atílio Durães e Dona Didica (nomes fictícios). Seu Atílio era um Velho Inspetor de Escolas, solteirão, e que vivia em concubinato com Dona Didica Magrinha Baixinha, de lisos cabelos curtinhos à moda chanel (Dona Didica era viúva ou separada, não sei), e os dois nutriam por mim, envolta em meus três ou quatro anos, ou cinco, um amor ilimitado, próprio de casais sem filhos em relação a filhos alheios. Hoje, penso que Seu Atílio (tão magro e alto!) amava Mamãe. Mamãe era tão bonita! E não se dava conta de sua beleza! Mas, voltando ao seu Atílio, eu era a filhinha querida dele. Muito mais de Seu Atílio do que de Dona Didica. O velho me adorava, fazia-me as vontades, queria me adotar. Eu, na minha inocência, retribuía aquela afeição, como só as crianças conseguem retribuir. Isto gerou, por parte de Jane Mamãe, uma raiva sem limites pelo casal de idosos. Repito: Jane Mamãe era uma mulher muito bonita, mas não tinha consciência de sua beleza. Em sua ignorância não compreendia que era admirada pelos homens e não se percebia atraente. Mamãe não compreendeu que o amor do Velho não era exatamente por mim e sim por ela. A Companheira do Velho com certeza percebeu a atração que Jane Mamãe exercia sobre ele, mas soube relevar, e continuou dedicando-me todo o seu carinho.

Fui separada dos dois abruptamente. Eles souberam me oferecer ternura e afeição, diria mesmo amor, e deles não guardo nem mesmo uma fotografia, porque Mamãe (terrivelmente destemperada!) fez-me o favor de cortar os rostos deles de uma foto (que havíamos tirado juntos, quando eu contava quatro anos mais ou menos). Aquela foto, em que me acho sentada com meu irmão mais velho em uma escada de varanda, com os dois velhos de pé, ao fundo, com suas partes de cima cortadas, vendo somente os pés, dá-me hoje uma tristeza sem limites. Penso sempre que não se deve destruir os sonhos de uma criança. Não sei o fim que levou a foto, mas ela se encontra nítida dentro de minhas recordações.

E as jabuticabeiras de Dona Miloca (nome fictício), esposa de Seu Nico Durães, no Bairro Santa Maria. Vejo-me agora subindo nas jabuticabeiras, acompanhada de meus irmãos mais velhos, sob o olhar risonho da Velhota, cunhada de Seu Atílio, procurando pegar as jabuticabas mais graúdas e mais bonitas e mais saborosas. Vejo Dona Miloca, também sem filhos, dedicando-me carinho e amor, penteando meus cabelos, estirando-me os braços, e eu correndo correndo correndo para eles, fugindo fugindo fugindo de Jane Mamãe e seu amor opressivo, aconchegando-me naqueles quase noventa quilos de ternura, e não posso evitar de sentir saudade, porque foi bom enquanto Mamãe permitiu.

Depois, aconteceu a mudança para o Sítio do Senhor Delilo Coutinho, um pouco distante da Cidade, porque Jane Mamãe não queria morar perto de gente que estava querendo tomar-lhe a filha, gente que queria ensinar à sua filha pequena a não gostar dela. Quanto falatório, quanta briga, quanta desavença. Cresci em meio a brigas e desentendimentos de Jane Mamãe com seus vizinhos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

XVI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: JANE MARTINS

XVI - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: JANE MARTINS

NEUZA MACHADO

Penso que a convivência com Jane Mamãe transformou-me em uma mulher corajosa. Luto pela felicidade. Sempre lutei. Enquanto houver vida em mim, lutarei. Não foram as lamúrias de Mamãe, avolumadas ao longo dos anos, que fizeram ou que farão com que eu desista de viver, de amar a vida.

Hoje, neste final de século XX, olho para o passado com Jane Mamãe e uma íntima ternura me envolve. Já não sou jovem (sou centenária, não se esqueça!). Minhas incompatibilidades com Jane Mamãe, naqueles anos (incompatibilidades e mágoas que me acompanharam na mocidade, e que não pesam, porque foram autênticas e não camufladas, portanto, livres de culpas), hoje, jazem inertes nos compartimentos da memória, só as recordações conseguem revivê-las. Esses anteriores descompassos jazem inertes em minhas lembranças, e hoje uma profunda pena me invade, em relação à vida de Jane Mamãe, seus anos atormentados aqui nesta terra de Deus, porque a vi, em seus últimos anos, tão velhinha e acabada, sucumbindo sob o peso de tantas infelicidades, reais ou não, mas todas criadas por ela mesma, e estas lembranças me entristecem profundamente.

De qualquer maneira, reconheço que o bem-estar financeiro passou longe dela e de Papai, e isto a magoou tremendamente. Então, pela minha ótica, evidentemente!, hoje relembrando Jane Mamãe a caminhar com dificuldade, caminhando para o fim, não posso desistir de pensar que ela nasceu e viveu para ser infeliz, pois ela mesma, repleta de ciúmes, impediu Papai de progredir. Mamãe carregou mágoas, a vida toda!, mágoas que eram relembradas como se estivessem gravadas num gramofone antigo e rouco, e que jamais fora desligado. Jane Mamãe e seu disco inquebrável, perturbando para sempre nossas vidas. “Ah!, Minha Jane Mamãe!, por mais qu’eu almeje saúde mental para mim (para o meu sossego!), seu disco de mágoas me perseguirá até a hora de minha morte!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

XV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: ANTOINZINHO PAPAI E JANE MAMÃE

XV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: ANTOINZINHO PAPAI E JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO

Conscientemente, afirmo-lhe, Meu Rapaz!, que Jane Mamãe, ao nascer, recolheu em si uma eterna insatisfação (uma incubada demência), um estranho descontentamento que a acompanhou até o seu final de vida na terra. Jane Briseides Mamãe nasceu e viveu neste mundo sempre descontente e fazendo infelizes àqueles que por ventura estivessem ao seu redor. Antoinzinho Papai dos Dons Musicais, ao contrário, enquanto vivo, predispôs-se para uma vida de felicidade perene (apesar do destempero de Mamãe). Antoinzinho Papai apaixonou-se por Mamãe (uma bela camponesa quando jovem), casaram-se, e o “nobrezinho” viu-se obrigado a aguentar o tranco, forçado a conviver com a infelicidade de Mamãe, suportando o seu mau-humor, sem reclamar um segundo sequer!, anos e anos, até que a morte o levou para descansar no Céu.

Antoinzinho Papai, mesmo com seus admiráveis dons musicistas, trabalhou muito para sustentar os filhos (enquanto esses estavam sob sua responsabilidade) e a Jane Mamãe, mas morreu pobre. Não amealhou, para a família, riquezas terrenas, mas legou-nos (a mim e meus irmãos) um grande amor pela vida (sem temer a morte certa!), e, ao morrer, passou-nos a responsabilidade de cuidar de Jane Mamãe e sua perene infelicidade, até a hora da morte dela. E a convivência final com Jane Briseides Mamãe não foi um legado fácil!

Antoinzinho Papai era a alegria e ternura em pessoa! Era um trabalhador e um músico sem igual. Tocava vários instrumentos (cavaquinho, bandolim, violão, viola, trombone e pistom). Estudou notas musicais e fez parte da Banda de Músicos de nossa cidade natal nos anos cinquenta do século XX. Depois lhe falarei de Papai.

Jane Mamãe ficou velhinha, muito muito velhinha, mas continuou reclamando da vida, do passado, dos parentes de Papai, até ao seu final de vida terrena. Quando Jane Mamãe começava a reclamar da vida, era cantilena ininterrupta durante três dias. Geralmente, a cantilena começava em uma sexta-feira, quando Antoinzinho Papai retornava do trabalho (ou das apresentações musicais, o motivo dos ciúmes de Jane Mamãe), e continuava até segunda-feira pela manhã (os dias e as noites, com raros intervalos), quando Antoinzinho Papai se aprontava para dirigir-se ao trabalho. Em semana de Lua Cheia, então!, não há o que comentar!, era um falatório só todas as noites. Somente Antoinzinho Papai aguentava a Jane Mamãe! A prole masculina, por causa de Mamãe, ajeitou-se fora da casa paterna, por meio de casamentos e ajuntamentos. Esta Circe Irinéia aqui (centenária, está lembrado?) optou precocemente também pelo casamento. Jane Mamãe não era de fácil convivência!

O passado foi um fantasma na vida de Jane Mamãe, principalmente os primeiros anos de casamento vivendo ainda na roça. Ainda hoje, não consigo esquecer a revolta que acompanhou os anos de existência de Jane Mamãe, mesmo admitindo nela a possibilidade de um provável desequilíbrio mental, sem tratamento médico, distanciado das Clínicas próprias para doentes mentais. Aliás, não se falava em tratamento psiquiátrico na casa de meus pais. Com todos os problemas familiares, de uma coisa tenho certeza: Antoinzinho Papai nutriu um amor imensurável por Jane Mamãe. E, certamente, carregou uma grande culpa pelos imaginários sofrimentos dela, e o peso da culpa o acompanhou até o fim. Pela minha ótica (talvez, destorcida), Antoinzinho Papai foi um grande marido (paciente e compreensivo), e um pai sem-igual. Não acumulou riquezas, mas trabalhou como um escravo para que o necessário não faltasse a Jane Mamãe.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

XIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: EMILIANO MARTINS E JUSTINIANA DE AMORIM

XIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: EMILIANO MARTINS E JUSTINIANA DE AMORIM

NEUZA MACHADO

Minha Avó Materna, a Justiniaña Maria de Ogiges Martins de Amorim, Filha de um Sitiante da Serra dos Carolas (o mesmo digníssimo José Damásio de Amorim), uma mulher admirável e elegantíssima (e, veja Você!, ela morou a vida toda em variados Sítios de Plantação de Café). Justiniaña era casada com um Incrível Sitiante-Marceneiro-Lenhador-Caçador-Contador de Estórias da Carochinha, o Emiliano Martins Sant’Anna (o Parente da Velha Romana de Carangola), um homem da roça que não trabalhava na roça, apesar do parentesco com alguns SobreNomes Ilustres das Roças de Minas Gerais. O Meu Avô marceneiro, como lhe disse há pouco, além de possuir terras de plantação de café, era também lenhador (penetrava na mata fechada em busca de madeira de qualidade para o seu ofício). Nas horas de lazer, transformava-se em um valente caçador de onças pintadas e jaguatiricas noturnas e gatas do mato; e, de vez em quando, disfarçava-se de notável contador de Estórias da Carochinha.

Jane Briseides Mamãe dizia que, quando o Velho Emiliano de Brises Martins Sant’Anna começava a contar estórias compridas e intermináveis, à noitinha, depois do trabalho estafante, na hora da ceia restauradora, a cozinha de Nhá Justiniaña de Ogiges, sua esposa (a Mãe de Mamãe), se enchia de gente, que aparecia de todos os cantos da região, só para ouvir os causos de Nhô Emiliano e comer as deliciosas quitandas (broas de milho, biscoitos de polvilho, bolos de araruta, docinhos de leite, doce de cidra, docinhos de amendoim, goiabada cascão com queijo de Minas caseiro, et cetera, etc.) feitas pelas mãos mágicas de minha Avó elegante.

Minha Avó Justiniaña, uma dama elegante e aristocrática, sim senhor!, mesmo morando na roça e cozinhando para um batalhão de visitas. Eu a conheci. Era uma velhinha vaidosa e cheirosa: tomava banho com sabonete Lever ou Gessi e gostava de enfeites de renda ou sianinhas nas golas de seus bem cortados vestidos de florezinhas. A sua costureira era a sua própria filha, a primogênita Raimunda de Barros (esposa do Antônio de Barros).

Minha Avó Materna era uma mulher tremendamente admirável. Sua Filha, Jane Briseida (Briseida era o nome da amada de Aquiles, o super-herói grego da narrativa de Homero), minha Jane Mamãe, infelizmente, nasceu com o estigma dos vencidos.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

XIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: DESCENDENTE DE UMA DAMA DA ILHA DE SÃO MIGUEL

XIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: DESCENDENTE DE UMA DAMA DA ILHA DE SÃO MIGUEL

NEUZA MACHADO

Retomando os Laços de Família, sou descendente também, por lado materno, de uma Nobre Dama Proveniente da Ilha de São Miguel, uma Ilha Portuguesa, com certeza. Esta Ilha é aquela das maravilhosas toalhas bordadas, rival inconteste da Ilha da Madeira.

Mamãe sempre falava de uma Avó alvíssima, belíssima, também proprietária de perspicazes e lindos olhos azuis, e que essa Avó possuía tesouros incríveis no fundo do baú das lembranças indeléveis. Jane Briseides Mamãe contava (nos raros momentos de bom humor), e eu me encantava com a narrativa, que, quando ainda era uma menina, sempre que ia visitar a Avó Maria Ricarda e o Avô José Damásio de Amorim, em sua Propriedade Agrícola (lá no Alto dos Carolas, perto do Arraial de São Manuel do Boi, perto da Cidade de Carangola, perto do Divino Espírito Santo de Carangola), a Avó Maria Ricarda (mesmo morando na roça) retirava do Fundo do Baú caixas artísticas de biscoitos finíssimos, latinhas lindamente coloridas de chás aromáticos e mui preciosos, bombons de chocolate estrangeiros, balas de todas as qualidades, et cœtera, et cœtera, etc.

Dessa Minha BisAvó desconhecida, oriunda da famosa Ilha Portuguesa, agora Personagem de Ficção, nesta minha narrativa, herdei o gosto pelo refinamento social, o amor pelas tardes preguiçosas regadas a chá inglês (ou oriental) e biscoitos finos; herdei também o amor pela Velha e Miscigenada Aristocracia Mineira (agora, tão decadente!).

No passado, ao observar Minha Mãe Jane Briseides (uma mulher tão linda!), com seus hábitos incultos e atitude campesina, tão possessiva com a família, e, ao mesmo tempo, tão subserviente com os mais poderosos, custava-me acreditar que ela fosse descendente de tão ilustre Senhora. Mesmo assim, acredito que essa BisAvó aristocrática tivesse existido, sim Senhor!, porque conheci minha própria Avó Justiniana Maria de Amorim (a filha da Maria Ricarda), a Mãe de Mamãe, e sempre reconheci nela os traços e atitudes dessas pessoas que nasceram em berço de ouro.

domingo, 1 de agosto de 2010

XII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: JOAQUIM PEREIRA DA CUNHA

XII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: JOAQUIM PEREIRA DA CUNHA

NEUZA MACHADO

Meu BisAvô mestiço, o Joaquim Pereira da Cunha (Avô de Antoinzinho Aquileu Papai), o Herdeiro Legítimo da Fazenda Córrego dos Pereiras e dos Escravos, passou a dedicar aos negros, seus consanguíneos, um profundo rancor. A partir de sua iniciante e arrogante demência, já não raciocinava de acordo com as leis da bondade e não via os negros de sua propriedade como irmãos de sangue. Esse bisavô casou-se com uma rica herdeira, branca, de olhos azuis (segundo Antoinzinho Papai), a decantada e louvada Avó Maria Brasilina de Jesus, nata de uma localidade próxima ao Arraial do Divino de Carangola (naquela época, o Divino era considerado Arraial).

Entretanto, nem mesmo o casamento arrefeceu sua maldade em relação aos escravos de sua Fazenda. Para ele, todos eram de raça ruim, causadores da morte de seu Pai João Pereira, vulgo Barba de Argolão, e, na sua já pré-anunciada demência (morreu louco, coitado!, depois da Abolição dos Escravos, decretada pela Princesa Dona Isabel), não se considerava irmão de sangue dos negros. O Sinhô Joaquim Mulato rejeitava, ostensivamente, o sangue de sua mãe, a linda mestiça Antoninha Pereira, apesar da pele amoirenada e do cabelo meio carapinha.

A imitar o acontecimento anterior (o envenenamento do Sinhô João Pereira), uma nova vingança foi planejada pelas mesmíssimas duas escravas: ferir o amo de cor doirada naquilo que ele possuía de mais valor, ou seja, a Sinhá Maria Brasilina. Vó Maria Brasilina do Papai Antoinzinho, de pele branca e olhos azuis, começou a definhar, num processo lento de caminhada em direção à morte. Nhô Joaquim Pereira (olhe aí o descendente de cristãos novos) mandou chamar as duas e disse o seguinte: “― Se Sá Maria morrer, ocês duas vão ser queimadas vivas numa grande fogueira. Tratem de curar a Sinhá, já, já!

Mandou, logo a seguir, alguns escravos preparar a fogueira no terreiro. As escravas (culpadas ou não), com medo da ameaça, correram para o mato em busca das ervas milagrosas. Elas conheciam também as ervas que agiam como contraveneno. As escravas cuidaram de minha BisAvó Maria Brasilina Pereira de Jesus com chás e infusões de ervas curativas que só elas conheciam. Três dias depois, Vovó Maria Brasilina do Papai Aquileu já caminhava pelo quarto da Grande Fazenda como se não tivesse tido doença alguma em sua vida.

Se esta história, que estou a contar-lhe!, não for verdadeira, Meu Leitor!, Meu Ouvinte!, Meu Amor!, culpe a imaginação de meu Papai Antônio Aquileu, que se valeu da imaginação de sua Mamãe Antoniña de Tétis Pereira de Jesus, filha do referido Senhor Mulato Joaquim Pereira, proprietário de um vasto Oceano de Plantações de Café, quero dizer, de um vasto território de plantações de café. Eu, Circe Irinéia (esquecia-me de dizer-lhe o meu nome), em particular, não vejo muita diferença entre imaginação e memória. Lembre-se, Meu Jove(m)!, eu escrevi imaginação!!!

Desse BisAvô de Meu Pai, o Joaquim Pereira da Cunha, tenho muita coisa para contar-lhe. Contarei noutra ocasião, páginas adiante; talvez nem conte, porque posso esquecer a promessa. Tudo é possível no Mundo da Ficção! Só adianto-lhe, Menino!, que o Joaquim desta história morreu louco (no Final do Século XIX), acorrentado, em seu quarto, arrastando uma grossa corrente de ferro, principalmente, por ocasião das Misteriosas Noites de Lua Cheia de Minha Minas Gerais Natal.