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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

XXIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: AINDA O ASSUNTO DA ARRUMAÇÃO DA CASA DE JANE MAMÃE

XXIV - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: AINDA O ASSUNTO DA ARRUMAÇÃO DA CASA DE JANE MAMÃE

NEUZA MACHADO

Jane Mamãe não me permitia que arrumasse a casa em paz (somente sob intenso falatório, de lado a lado), não porque não quisesse me ver trabalhando no pesado (sua única filha, excetuando a prole masculina), o que não seria nada de mais!, mas simplesmente porque a minha atitude, ao fazer a arrumação, a ofendia profundamente. Às vezes, eu e Antoinzinho Papai passávamos o sábado limpando a casa, naturalmente sob os protestos de Jane Mamãe que se sentia melindrada (já que ela não iria participar da arrumação, de jeito nenhum!). Eu e Papai limpávamos a casa, enquanto Jane Mamãe nos afrontava com todos os palavrões caipiras que conhecia (no caso, só eu retrucava e Antoinzinho Papai ficava calado). No raciocínio dela, nós fazíamos a limpeza da casa só para implicar com ela.

Necessito reafirmar-lhe que Antoinzinho Papai se limitava a escutar pacientemente e esta atitude de Papai aumentava a irritação de Jane Mamãe. Enquanto durasse o trabalho de limpeza e arrumação da casa, Jane Mamãe falava sem parar, atropeladamente, aos gritos, às vezes choramingando, e nos injuriava o tempo todo. Sentada em uma poltrona, confortavelmente instalada, começava um servicinho de mão qualquer, que a deixasse temporariamente com as mãos ocupadas, impedindo-a de participar do serviço pesado, e dali vigiava nossos movimentos, enquanto não parava de falar. Quase sempre, o falatório de Jane Mamãe estendia-se pela noite de sábado adentro, alcançava o dia de domingo todinho e, durante os sete dias da semana, retomava a falação por umas três horas mais ou menos, à noite, quando Antoinzinho Papai chegava do trabalho. O Santo Antoinzinho Papai pegava em seu terço católico e rezava, em silêncio, um rosário de preces para Nossa Senhora das Causas Perdidas (três vezes seguidas rezava o terço). Antoinzinho Papai nunca levantou a voz para brigar com Jane Mamãe, nunca levantou a mão contra ela. Enquanto isso, ela o chamava de frouxo, sangue-de-barata, molenga, bobão, incapacitado para ganhar dinheiro, e outros apelidos ofensivos. Ele suportou as ofensas de Jane Mamãe sem reclamar até a hora de sua morte.

Essa atitude de Jane Mamãe deixava-me angustiada (naquela época, não percebia o lado doente de Mamãe). De qualquer maneira, por causa de Jane Mamãe, tenho horror a essas mulheres que ofendem seus maridos na frente de todos. Hoje, olhando o passado com Jane Mamãe, penso que ela o provocava porque ele não se mostrou capaz de dominá-la. Antoinzinho Papai, apesar de suas inegáveis qualidades como marido, não preencheu as expectativas de Jane Mamãe (mesmo, porque ela o impedia de progredir, com seus ciúmes sem causas). Constantemente, eu a ouvia nervosa e agitada, chamando-o de imprestável. De qualquer maneira, minha Jane Mamãe sentiu a morte de meu Antoinzinho Papai. A seu modo, ela o amava (e a recíproca era verdadeira, porque só ele a compreendia).

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