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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A AUTORIDADE DO ONTEM ETERNO

A AUTORIDADE DO “ONTEM ETERNO”

NEUZA MACHADO

Max Weber questiona: "Por que os homens obedecem?"

Em primeiro lugar, afirma, há a “autoridade do ontem eterno”. Os subjugados se conformam com o domínio exercido pelo Patriarca. Partindo desta assertiva de Weber ― ainda repensando a narrativa ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, escrita em meados do século XX ―, posso refletir que, em princípio, o personagem Augusto Esteves se assemelha à “autoridade do ontem eterno”, porque continua uma tradição dos chamados “valores exemplares”. Seu poder “exemplar” foi herdado do pai, o Coronel Afonsão Esteves das Pindaíbas e do Saco-da-Embira.

Fazer um nome que se respeite (que se respeitasse no século XX e que se respeite no século XXI) não é tarefa para entretenimento, é serviço pesado, para o qual o pioneiro necessita gastar muita energia. Necessita provar sua coragem, impor sua autoridade de “herdeiro do ontem eterno” para se fazer respeitar. Com tais atitudes, esse homem, que foi candidato a um nome nos primórdios de sua vida, gradativamente, passa a ser temido e odiado, ao mesmo tempo, idolatrado, e sua descendência deverá, por força das circunstâncias, continuar tal obra.

O narrador roseano em questão nos apresenta uma pequena comunidade mineira, sertaneja e tradicional, e seu herói: ambos em vias de se degradarem.

Eis o conflito do narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga: a degradação não está no espaço apreendido (o tradicional Sertão de Minas Gerais) — sua singularíssima sensibilidade (sua criatividade) capta a pureza remanescente dos antigos núcleos —; a degradação (a palavra “degradação” aqui não possui sentido pejorativo) da Era Moderna encontra-se nele próprio, porque, porta-voz que é do Artista ficcional, conhece as várias faces/fases do Homem Moderno.

Eis o conflito desta ímpar narrativa ficcional de meados do século XX: a memória (matéria épica) contrapõe-se às recordações de um mundo para sempre perdido (matéria romanesca/ficcional). O que foi transmitido por sucessivas gerações, encontra-se agora em vias de extinção. O narrador de Guimarães Rosa se dá conta de que esta comunidade existe apenas em suas recordações (matéria lírica). O narrador roseano, desta narrativa em particular, é o representante desta comunidade primitiva e, ao mesmo tempo, burguesa. Por isto, ele é primitivo e burguês. Porque se desenvolve na dialética daquele que o idealizou, cujas origens reproduzem as comunidades fechadas do passado. Assim como Nhô Augusto herdou a "autoridade do ontem eterno”, ele também herdou esta “autoridade” como duplo de um Sábio que narra suas próprias “experiências de vida” (matéria histórica, paraliterária) como herdeiro de um nome sertanejo. Essas “experiências” não são experiências pessoais, mas, enquanto cursos de vida, são experiências verdadeiras, são transcendentais, irracionais; são as “experiências” daquele que se coloca como porta-voz da burguesia sertaneja do século XX edificada nos pequenos vilarejos dominados por Senhores-de-terra poderosos.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

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