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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

NEUZA MACHADO

Urge quebrar esta monotonia, esta repetição de modelos ficcionais. Faz-se necessário “tomar a vez” do “herói” patriarcal, sair das comunidades políticas fechadas do “ontem eterno”, abandonar a narrativa sintagmática e assumir a narração de uma estória vertical, na qual a desintegração discursiva reflita o mundo caótico de meados do século XX que circunda o espaço fechado do sertão brasileiro e que não se encontra significado pelo narrador. Já não há lugar para a linear unidade narrativa. Quem narra (mesmo tendo suas origens plantadas no sertão de Minas Gerais) já não se identifica com a matéria narrada. Encontra-se agora fragmentado e envolto por inúmeras recordações que se embaralham no mais fundo do eu.

Aproxima-se o momento da verdadeira “queda” do “herói” à moda medieval — a morte ideológica — e o nascimento do personagem ficcional (ainda como um representante do “ontem eterno” de meados do século XX, que minha afirmação fique bem clara). Aproxima-se o momento da permutação de papéis. Agora, o herói é o próprio narrador, semideus com poderes de vida e de morte. O poder de Nhô Augusto é transferido para o narrador moderno de meados do século XX, e o poder do Artista Ficcional também. Agora, o narrador é o autêntico representante do (ainda) mundo burguês, retendo em suas mãos a condução da narrativa. Todo poder é poder de vida e de morte. “A Hora e Vez” de Nhô Augusto Matraga, (um representante do “ontem eterno”) depende do narrador roseano, porque este reflete o poder do Artista ficcional de meados do século XX. O narrador de Guimarães Rosa submete o personagem a seus desígnios. Diz Foucault: Como quando um general manda seus soldados para a guerra. O narrador, a partir de agora, será o único dono de um discurso narrativo que reflete as condições de seu momento histórico. Doravante, apenas o personagem Nhô Augusto (ainda um representante do “ontem eterno”) continuará aparentemente o mesmo (até o momento do fatal desenlace).

Esta transformação discursiva impõe-me raciocinar sobre a morte simbólica do narrador memorialista e o nascimento do narrador em fase de transição para o pós-moderno. Este “sepulta” a lembrança (matéria memorialista) e faz surgir a recordação (matéria lírica) de um mundo que foi seu leitmotiv de vida — leitmotiv de vida do Artista Ficcional de meados do século XX —, mas que, agora, encontra-se desintegrado (o mundo sertanejo), embaralhado em suas recordações. Simbolicamente, repito, morre o narrador memorialista e nasce o narrador-personagem, narrador de meados do século XX, o que sabe dos mais íntimos pensamentos daquele que narra.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

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