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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A REPRESENTAÇÃO DO EU NA GLOBALIZADA SOCIEDADE PÓS-MODERNA: REDESCOBRINDO ERVING GOFFMAN

A REPRESENTAÇÃO DO EU NA GLOBALIZADA SOCIEDADE PÓS-MODERNA: REDESCOBRINDO ERVING GOFFMAN

NEUZA MACHADO

Na introdução de A representação do eu na vida cotidiana, Erving Goffman (Petrópolis: Vozes, 1985), teorizando sobre o ponto de vista de um determinado grupo em relação a um indivíduo [desconhecido, ou em vias de se tornar conhecido], informa que seu objetivo é definir a interação (influência) face a face, ou seja, "a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata". Afirma ainda que "uma interação pode ser definida como toda interação que ocorre em qualquer ocasião, quando, num conjunto de indivíduos, uns se encontram na presença imediata de outros". Goffman realça seu objetivo já no final da Introdução, depois de desenvolvê-lo implicitamente ao longo do conteúdo introdutório.

Anteriormente, já informara sobre a atuação de um determinado indivíduo na presença de outros e que os outros, ao se aproximarem do indivíduo em destaque, procuram saber o máximo a seu respeito, alguns interesses gerais, tais como se possui uma boa situação sócio-econômica, o que pensa de si e dos que o rodeiam, se é confiável, e outras especulações semelhantes. Essas informações, segundo o autor, definem a situação do sujeito avaliado perante os outros e dos outros ante o mesmo. É nesse momento que a interação será definida. Caberá ao que se coloca sob regime de avaliação, o qual, no momento, se encontra sob suspeita, influenciar positivamente ou não o grupo que o examina. De acordo com a atitude do examinado, os examinadores se convencerão ou não da validade dos esforços pessoais desenvolvidos por ele, para se fazer admirado ou respeitado. Nesse processo de avaliação, ele deixa de ser indivíduo, para se colocar temporariamente na condição de sujeito. A impressão positiva é importante no momento de influência face a face, porque é exatamente em tal momento que os outros confiarão na informação apreendida. Ele terá de sujeitar-se à avaliação do grupo. Portanto, expressão e impressão do e sobre o sujeito são fatores prioritários para que o grupo infira positivamente e confie nele, elevando-o à condição de indivíduo (sentido etimológico). Para que receba confiança, o examinado terá de expressar-se convincentemente, mesmo que, no fundo, transmita informações falsas.

A influência face a face necessita prioritariamente de expressões que convençam. Ainda sob a condição de sujeito terá de emitir tais expressões, mesmo que não sejam verdadeiras. Tais dissimulações são atitudes típicas do ator, que procura sempre tirar vantagem das expressões que emite. A expressão transmitida se vale da comunicação, e esta se faz quando o indivíduo se encontra na presença de outros, transmitindo confiança ou rejeição, de acordo com as deduções do grupo. Explicando melhor, Goffman divide a expressividade do indivíduo em duas categorias opostas: expressão que transmite e expressão que emite. Dentro da categoria da expressão que emite, estariam as dissimulações próprias do ator; na categoria da expressão transmitida, estariam as fraudes, abrangendo os símbolos verbais, usados propositadamente no intuito de transmitir impressões falsas.

Goffman, em um segundo momento de sua Introdução, muda o pólo de concentração de sua tese, deslocando-se para o ponto de vista do indivíduo. Antes, teorizara sobre o ponto de vista do grupo.

O indivíduo que se encontra diante de um determinado grupamento social, passando por um processo de avaliação, "pode desejar que os componentes do grupo pensem muito bem dele, ou que pensem estar ele pensando muito bem deles, ou que não cheguem a ter uma impressão definida"; pode, inclusive, trapacear, confundir, induzi-los a erro. Conscientemente, ele direciona as atitudes dessas pessoas em relação a si mesmo, manipula as inferências, demonstra possuir grande influência ante os outros e, conseqüentemente, passa a demonstrar poder.

Falando ainda sobre expressões transmitidas e expressões emitidas, procura delimitar o seu trabalho, informando que se ocupará primordialmente com as expressões emitidas, ou seja, a atitude do indivíduo-ator diante de um grupo-platéia. Exemplificando suas idéias, cita um incidente romanceado, um episódio sobre um inglês em férias em uma praia, na Espanha. Narra as atitudes de Preedy (um indivíduo-ator e suas expressões emitidas) para se fazer notar, por meio de vários rituais, como um passeio pela praia que virara corrida e mergulho direto na água, a forma de nadar que consistia num apelo para ser visto, e outras ações ritualísticas, visando impressões múltiplas do grupo-platéia. Com tais exemplos, demonstra que as impressões variam e nem sempre coincidem com a esperada pelo indivíduo. Às vezes, ele consegue projetar uma boa impressão e ser compreendido, outras vezes não.

Muitos exemplos são oferecidos na Introdução, mas o que fica claro é a idéia de que o processo de comunicação de qualquer ser humano é semelhante ao desempenho do ator: há encobrimentos e descobrimentos, revelações falsas e redescobertas, e, como se fosse um ator, aquele que está em fase de avaliação passa a manipular o próprio comportamento, transmitindo espontaneidade e segurança, observando as reações que desperta. Nesse momento de aguda observação, levará vantagem sobre a sua própria máscara teatral, influenciando e dominando com maestria os que o avaliam.

Em relação às posições iniciais dos diversos participantes, Goffman destaca a possibilidade de posteriores contradições. Durante o percurso da influência, poderão desenvolver-se situações embaraçosas que tornarão o indivíduo-ator desacreditado diante do grupo-platéia, mesmo sendo ele, nesse momento, o indutor da análise. Quando tal situação ocorre, a "interação face a face entra em colapso".

Ao falar-nos de projeção, realça o fato de que "não devemos passar por cima do fato essencial de que qualquer definição projetada da situação tem também um caráter próprio", ou seja, qualquer definição projetada procura ressaltar o caráter moral das projeções.

"A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de esperar que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada" (Erving Goffman).

Evidentemente, o indivíduo em questão não se considera pequeno dentro da escala social, porque a própria sociedade já o avaliou e o aceitou. É correto salientar que há vários graus de aceitabilidade dentro da escala social. Mesmo sem saber em que patamar se encontra, se ele já se considera melhor, e a sociedade o acolhe, certamente graças à organização social, esse mesmíssimo indivíduo espera que o valorizem e o tratem de maneira especial.

Há, ainda, aquele que projeta a impressão de possuir certas características sociais. Neste caso, terá de demonstrar possuir de fato tais características para conquistar o respeito do grupo. Mesmo possuindo tais atributos, mesmo tentando demonstrar ser o que é, se não convencer seus avaliadores, jamais será aceito. Se, verdadeiramente, deseja ser o que realmente é, uma pessoa sem falsos atributos, será tratado de acordo com o que projeta sobre si mesmo, ou seja, não será valorizado, porque o grupo não o aceitará em seu despojamento. A sociedade está organizada para projetar falsos valores, e as pessoas que a compõem são guiadas no sentido de projetarem também falsos valores.

Para evitar tais embaraços, há práticas preventivas. Dentro dessa categoria, há as práticas corretivas, as quais são empregadas no sentido de corrigir as "ocorrências desabonadoras que não tenham sido evitadas". Quando isto acontece, a prática corretiva passa a ser denominada prática defensiva; o sujeito da ação se defende, procurando corrigir a ocorrência desabonadora. Há também a chamada prática protetora. Nesse caso, um outro sujeito às exigências do grupo, participante ativo do grupo, procura proteger o indivíduo, resguardando-o de uma possível má impressão.

Goffman fecha suas teorizações, demonstrando que, para evitar possíveis rupturas, pré-existem nos círculos sociais "brincadeiras e jogos nos quais são intencionalmente arquitetadas situações embaraçosas que não devem ser levadas a sério". Há um estoque de fantasias e contos, cujo teor serve de aviso, procurando alertar os componentes, persuadindo-os a serem modestos em suas pretensões.

Como já destaquei no início, Goffman só realça seu objetivo de trabalho no final da Introdução. Depois de desenvolver implicitamente e tautologicamente tal objetivo, [todas essas questões, que foram recuperadas até agora], passa a definir claramente a sua matéria teórica, impõe-se a realçar a idéia de que a interação face a face é a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, é o encontro, ou por outra, é o embate que se faz presente quando dois ou mais indivíduos se encontram face a face.

Desempenho é definido "como toda atividade de um determinado participante, em dada ocasião, que sirva para influenciar qualquer um dos participantes". Assim, desempenho é a representação propriamente dita. É a representação do eu na vida cotidiana. É o indivíduo [sentido etimológico] procurando pôr em prática uma determinada atuação diante de uma determinada platéia, representando um papel que o faça ser aceito pelo grupo, que o faça obter impressões positivas desse grupo que o observa e julga.

No capítulo dedicado às representações, ou seja, o papel que o indivíduo representa diante de um grupo, Goffman compara tal atitude com a representação do ator frente à platéia. Goffman fala de fachadas, dramatizações, idealizações, representações falsas, mistificações, realidade e artifícios.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO MINEIRO: JOSÉ DE SOUZA COSTA - O INESQUECÍVEL “ZECA” DE ANTOINZINHO PAPAI

DE VOLTA PARA O PASSADO MINEIRO: JOSÉ DE SOUZA COSTA - O INESQUECÍVEL “ZECA” DE ANTOINZINHO PAPAI

NEUZA MACHADO


Não tive o privilégio de conhecer o meu avô Zeca de Souza, mas ouvi interessantes histórias a respeito dele. Antoinzinho Papai sempre comentava que o “Zeca” e a “Tuninha” formavam um casal para além da realidade campestre de Minas Gerais (do início do século XX). A vovó Tuninha, por exemplo, antes da doença pulmonar não dispensava o cigarrinho de palha (para entretê-la no trabalho de costura) e o vovô Zeca, segundo a informação de meu pai (pois não o conheci), não bebia e não fumava. E como vocês já leram nas páginas atrás, os doze filhos os tratavam pelos apelidos familiares (um procedimento paternal/maternal que, naquela época, não se coadunava com as normas campestres/patriarcais severas da Zona da Mata Mineira).

Para os Internautas apreciadores de Antigas Histórias Familiares de Minas Gerais, destaco alguns trechos de A História de Antônio concernentes a José de Souza Costa, o “Zeca de Souza”, o amoroso pai de Antoinzinho Papai:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


José de Souza Costa e Antônia Pereira de Jesus tiveram doze filhos. O mais velho, Olavo; (2
o) Álvaro; (3o) Maria; (4o) Eurico [falecido, ainda jovem, no Hospital Psiquiátrico da Cidade Barbacena, no Estado de Minas Gerais]; (5o) Malvina; (6o) Antônio [que é o mesmo que escreve esta história verídica]; (7o) Almezinda; (8o) Elmira; (9o) Raimunda e Regina, gêmeas; (10o) Clemilda; e (11o) Enedina.

(...)

Eu fui um dos filhos mais agarrado com o pai; aonde o pai fosse, eu queria ir com ele. Sempre que podia, ele me fazia os gostos. Na roça, principalmente, quando as pessoas passam perto das casas, ou mais longe um pouco, aqueles moradores de beira de estrada ficam espiando, até o passageiro encobrir-se atrás de uma curva, ou um morro. Se for um passageiro estranho, os moradores de beira de estrada ficam inquietos, querendo saber quem é aquela pessoa que passou por ali. Meu pai era um destes. Ele sempre dizia que eu conhecia a todos daquela redondeza, como era o costume de se falar. E sempre que alguém passasse pela estrada, e ele não conhecesse a pessoa, ele me chamava pelo nome, e dizia pra mim: “– Ocê conhece aquele que vai lá?” Eu respondia: “– Aquele é o senhor fulano de tal”. Se eu não soubesse, ele não perguntava a mais ninguém, porque ele entendia que só eu conhecia as pessoas.

(...)

A casa do Zeca, meu pai, era muito frequentada por toda a vizinhança. Era uma casa de muita harmonia. (Desde já esclareço que todos os filhos o chamavam pelo apelido, assim como também à nossa mãe Antoninha. Esclareço também que, apesar da aparente intimidade, chamando-os pelos apelidos, nós, filhos, os respeitávamos, pois eles eram muito severos). Os quatro filhos homens tocavam instrumentos de cordas. Ainda vinham alguns colegas trazendo seus instrumentos, para fazerem parte de nossa orquestra. O tio Marcolino era o vizinho mais perto, a casa dele também era muito harmoniosa. Ele tinha sanfona de oito baixos e tocava muito bem. Os filhos de tio Marcolino tocavam sanfona e cavaquinho. O pai de tio Marcolino, Manoel de Souza, tocava viola e cantava as músicas de batucadas dos negros chamadas cateretês. Era uma casa cheia. Em certas noites, nós nos reuníamos para formar uma só orquestra. Isto foi na década de 1920 a 1930. Fazíamos baile, ora na casa de um, ora na casa de outro. Mas, primeiro, antes da dança, nós rezávamos ladainha e terço. Todos eram muito religiosos. A reza era rezada na sala de dentro, e a dança era na sala de fora. Durante a noite, o povo dançava na mais perfeita ordem, e, quando queria tomar café, comer broa de fubá, biscoito de polvilho de mandioca, tinha que ir à cozinha, e, lá, tinha sempre café e broa de fubá de milho à vontade de todos.

Meu pai tinha carro de boi, mas não era carreiro. Quem trabalhava como carreiro era Antônio Pedro de Oliveira, casado com uma irmã de minha mãe, por nome Corina. Antônio tinha o apelido de Carabineiro, Antônio Carabineiro, mas, não era um bom carreiro, porque batia nos bois inconscientemente, não tinha noção do que estava fazendo. O boi que não merecia apanhar, nesse é que ele batia mais. Sendo eu o candeeiro que guiava os bois, observava o quanto ele maltratava os nossos bois. Eu sempre avisava a meu pai, mas ele não acreditava em mim. Pensava que eu dizia aquilo por despeito, porque eu reclamava com meu pai que o Carabineiro me humilhava perto de outras pessoas. Ele me maltratava com gritos, mas era só quando chegava perto dos outros carreiros, gritando e dando forte ferroada naqueles bois que não gostavam de apanhar. O Carabineiro dava berros, e tinha outros defeitos mais. Eu, vendo aquilo tudo de errado, não era autorizado a falar nada. Mas, um dia, meu pai viu com seus próprios olhos.

Meu pai tinha feito uma mudança provisória. Deixou a nossa casa, com um dos irmãos tomando conta, e mudou-se para a Fazenda de Jove de Souza, aonde ele tocava uma lavoura de café à meia com o fazendeiro. Nós tínhamos também lavoura de café, mas era pequena. Como meu pai já tinha dois filhos já rapazes, e tinha também dois empregados, achou que era um bom negócio ter mais café para vender. E, assim, ele ficou morando provisoriamente em uma tulha da Fazenda de Jove de Souza. E o Carabineiro, em nossa propriedade, agia como se fosse o dono do carro.

Fomos buscar uma mudança em um lugar bem longe de nosso lugarejo. Tivemos de viajar três dias com o carro de bois. Saímos do nosso Sítio, caminhamos até chegar aonde íamos apanhar a mudança. No outro dia, saímos com o carro carregado, e viemos até a Fazenda, onde meu pai estava morando. Soltamos os bois e permanecemos até o outro dia. De manhã cedo, nós pegamos os bois, para seguirmos até a entrega da mudança. Mas, meu pai deu-lhe uma ordem. Sendo o Carabineiro padrinho de uma das minhas irmãs, meu pai chamava ele de compadre, e disse pra ele: “– Compadre Antônio, quando chegar lá em casa, ocê solta os bois, que é pra eles descansar, beber água, depois, ocê pega os bois e vai fazer a entrega da mudança”. Nós nos despedimos e seguimos com o carro cantarolando, caminhando estrada à fora. Mas, quando chegamos em nosso Sítio, ele não obedeceu à ordem de meu pai e passou direto. Isto era meio-dia, com o sol quente. Os bois estavam acostumados a chegar ali e serem soltos, já não queriam andar. Pouco à frente, tinha um morro para subir. No início do morro tinha uma mina de água que formava um atoleiro. Chegamos ao pé do morro, o carro atolou. Os bois já cansados, e por terem passado onde eles estavam acostumados a serem soltos, não quiseram puxar o carro. Carabineiro parecia até que estava louco. Começou a dar pregada nos bois, com a guiada, até ficarem, todos, ensanguentados. Depois começou a dar com o pé da guiada no focinho dos bois, até os bois caírem no chão. Era uma junta de bois de guia de muito valor, e ficaram com os focinhos esbagaçados. Mas, por azar dele, meu pai estava chegando e, quando o meu pai viu os bois todos quase mortos, e a junta de bois de guia deitada ao chão, sem força nem para levantar, quase ficou louco. Maltratou ele com nome ruim, de toda espécie. Nesse momento, veio chegando um amigo dele, e quis dar razão a ele. Mas, meu pai estava em estado perigoso, desafiou todos os dois, mas, nenhum resolveu nada contra meu pai. Então, meu pai disse ao Carabineiro, que era carreiro nosso já há vários anos: “– Larga meu carro e vai embora! Não quero ocê nem mais um dia pra ser meu carreiro!” Ele humilhou-se, e disse a meu pai: “– Eu vou ajudar a descarregar o carro. Depois de vazio, agente encosta ele ali no terreiro do Marcolino. Eu carrego a mudança e coloco dentro do carro e, depois, eu vou embora”. Meu pai aceitou. Depois que descarregaram o carro, mesmo vazio, os bois não queriam subir o primeiro tope do morro. Mas conseguimos encostar o carro no terreiro de tio Marcolino. Depois, ele carregou a mudança nas costas, com a ajuda de mais alguns que ali chegaram. Encheu o carro novamente. E Carabineiro foi embora. No outro dia, meu pai disse para mim, que já estava com quinze anos: "– De hoje em diante, ocê é o meu carreiro!”

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: ANTONINHA PEREIRA DE JESUS - A INESQUECÍVEL “TUNINHA” DE ANTOINZINHO PAPAI

DE VOLTA PARA O PASSADO: ANTONINHA PEREIRA DE JESUS - A INESQUECÍVEL “TUNINHA” DE ANTOINZINHO PAPAI

NEUZA MACHADO

Antônio de Sousa Costa – o meu Antoinzinho Papai (o meu modo carinhoso de referir-me ao meu pai) –, chamava a seus pais pelos seus nomes de batismo. Nunca ouvi o meu pai dizer “o papai” ou “a mamãe”. Em nossas conversas dos momentos de lazer, ao comentar qualquer assunto de sua família, ele sempre se referia aos pais chamando-os por seus apelidos: “o Zeca e a Ninha...” ou “o Zeca e a Tuninha...” Apenas nas reuniões sociais (a nossa casa em Carangola estava sempre recebendo as visitas dos parentes e conhecidos, moradores nas adjacências), em conversas mais cerimoniosas, ao comentar algo sobre os pais, ele dizia: “o meu pai Zeca e a minha mãe Antuninha...”, entretanto, o amor e o respeito pelos pais estavam sempre latentes.

O mesmo acontecia com os seus inúmeros irmãos – homens e mulheres. Meus tios e tias só se referiam aos pais pelos apelidos familiares: “o Zeca”, “a Ninha”. Quando os irmãos se reuniam, era muito interessante ouvi-los a se reportarem aos pais com intimidade e carinho (uma atitude filial contrária aos ditames sócio-familiares da época). Me lembro sempre de meu tio Olavo ou de meu tio Álvaro conversando com papai: “– Você se lembra, Compadre Toinzinho, do que aconteceu com o Zeca, naquele domingo da Quaresma, lá no Choro?” E o meu tio continuava: “– A Ninha quase morreu de aflição! Tá lembrado, Mano?” “– É! É verdade! A Ninha ficou muito preocupada, Compadre Álvaro!” (Os compadrios eram respeitados, mesmo entre irmãos). E o assunto continuava indefinidamente, tomando às vezes rumos diversos, entrelaçamento de recordações díspares. E por aí em diante.

Mas, o assunto de hoje, refere-se a minha avó Antoninha.

(Lembrando aos Leitores da História de Antônio que o meu pai cursou apenas três anos de Escola Primária - escola da roça; lembrando também aos Leitores que, por ocasião da digitação, não interferi na escrita de meu pai. O texto se apresenta aqui do mesmo jeito em que se encontra em seus cadernos manuscritos)

Para os Internautas apreciadores de Antigas Histórias Familiares de Minas Gerais, destaco alguns trechos da História de Antônio concernentes a Antônia Pereira de Jesus, a “mãe Tuninha de Antoinzinho Papai:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


João Pereira, vulgo Barba de Argolão, era português, casado com uma mestiça, filha de índio com negro, por nome Antônia, mas era chamada de Antoninha. Desse matrimônio nasceram sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres. Nomes dos homens: Joaquim, Sebastião, João e Manuel. Nomes das mulheres: Joana, Antônia e Luiza.

(...)

Joaquim Pereira da Cunha, nome completo, casado com Maria Brasilina de Jesus. Tiveram nove filhos, sendo seis homens e três mulheres. Nome dos homens: João, Sebastião, Joantônio, Luís, Raimundo e Manuel. Nome das mulheres: Antônia, que tinha apelido Antoninha (minha mãe), Olívia e Corina. João, sendo o filho mais velho, casou-se com Cecília e foi morar em Mutum, um lugar que fica ao Norte de Minas. Sebastião casou-se com Maria, apelidada Cota. Joãntônio casou-se com Maria, viúva de Manoel Lopes. Ela morreu, e ele casou-se pela segunda vez com Augusta, viúva de Antônio Amorim. Luís casou-se com Floripes. Raimundo casou-se com Antoninha, e Manoel casou-se com Conceição. A filha Antoninha casou-se com José de Souza Costa, apelido Zeca (estes foram os meus pais). Olívia casou-se com Marcolino. Corina casou-se com Antônio, apelidado Antônio Carabineiro. Estes são os nomes dos filhos e filhas de Joaquim Pereira da Cunha e de Maria Brasilina de Jesus (meus avós por parte materna).

(...)

José de Souza Costa e Antônia Pereira de Jesus tiveram doze filhos. O mais velho, Olavo; (2o) Álvaro; (3o) Maria; (4o) Eurico [falecido, ainda jovem, no Hospital Psiquiátrico da Cidade Barbacena, no Estado de Minas Gerais]; (5o) Malvina; (6o) Antônio [que é o mesmo que escreve esta história verídica]; (7o) Almezinda; (8o) Elmira; (9o) Raimunda e Regina, gêmeas; (10o) Clemilda; e (11o) Enedina.


(...)

A casa do Zeca, meu pai, era muito frequentada por toda a vizinhança. Era uma casa de muita harmonia. (Desde já esclareço que todos os filhos o chamavam pelo apelido, assim como também à nossa mãe Antoninha. Esclareço também que, apesar da aparente intimidade, chamando-os pelos apelidos, nós, filhos, os respeitávamos, pois eles eram muito severos). Os quatro filhos homens tocavam instrumentos de cordas. Ainda vinham alguns colegas trazendo seus instrumentos, para fazerem parte de nossa orquestra. O tio Marcolino era o vizinho mais perto, a casa dele também era muito harmoniosa. Ele tinha sanfona de oito baixos e tocava muito bem. Os filhos de tio Marcolino tocavam sanfona e cavaquinho. O pai de tio Marcolino, Manoel de Souza, tocava viola e cantava as músicas de batucadas dos negros chamadas cateretês. Era uma casa cheia. Em certas noites, nós nos reuníamos para formar uma só orquestra. Isto foi na década de 1920 a 1930. Fazíamos baile, ora na casa de um, ora na casa de outro. Mas, primeiro, tínhamos que rezar ladainha e terço. Todos eram muito religiosos. A reza era rezada na sala de dentro, e a dança era na sala de fora. Durante a noite, o povo dançava na mais perfeita ordem, e, quando queria tomar café, comer broa de fubá, biscoito de polvilho de mandioca, tinha que ir à cozinha, e, lá, tinha sempre café e broa de fubá de milho à vontade de todos.

(...)

Meu pai sempre vinha à casa de meu avô Joaquim Pereira, para ver minha mãe. E, não demorou muito tempo, minha mãe foi pedida em casamento pelo meu pai. O pedido foi aceito pelo meu avô Joaquim, que ainda não estava doente da cabeça, Meu avô Joaquim e minha avó Maria Brasilina, pais de minha mãe, marcaram o casamento para o mês de janeiro de 1899, quase no final do século XIX. Meu pai e minha mãe eram casados só no eclesiástico, porque, naquela época, não existia casamento no civil. Foram pais de doze filhos, todos registrados como filhos naturais. Meu pai, por várias vezes, quis legitimar os filhos, mas minha mãe não concordava em tornar a casar. Por isso, ficamos todos como filhos naturais. Meu pai tratava os filhos com muito respeito, e minha mãe não era assim. Meu pai fumava cigarro de palha de milho, mas nunca deu licença de filho fumar. Teve uma noite que ele foi ao meu quarto, quando eu já estava deitado, fumando um cigarro muito distraído. Quando ele entrou e falou comigo, eu estava com a boca cheia de fumaça, mas não adiantou nada, a fumaça saiu pelas narinas. Isto, eu já estava com vinte e um anos. Já minha mãe era mais camarada com os filhos. Minha mãe também fumava, e dava cigarro aos filhos, e quando ela não tinha fumo, pedia aos filhos. Minha mãe era costureira, fazia roupa para homem e para mulher, mas o que ela gostava era de fazer roupa de homem. Tinha uma máquina Singer de sete gavetas, sendo três de cada lado e uma de frente com três repartições. Antoninha, minha mãe, tinha uma grande freguesia, vinha gente de longe trazendo pano de brim amarelo para fazer terno. Era o que se usava mais para homem. As mulheres traziam fazendas de tricoline, chita e até seda. Minha mãe tinha o maior cuidado em fazer as roupas. Primeiro tinha que molhar o pano, porque tinha pano que encolhia. Muitas das vezes, ela queria recusar algumas costuras, porque já tinha demais pra ela fazer, mas os fregueses imploravam, até que ela aceitava, mas sem compromisso. Isso era em ocasiões de festas, e, assim, ela ficava sentada em um topo de madeira roliço. O dia era pouco pra ela trabalhar, inteirava com a noite, das quatro horas da madrugada até às dez horas da noite. Fora dessas ocasiões, não tinha tanto serviço, mas ela costurava diariamente, não fazia outra coisa, até a comida ia pra ela na máquina. Minha mãe trabalhava cantando, pois gostava de música, e sempre dizia que tinha vontade de ter um filho músico. Um dia chegou em nossa casa Antônio Vieira de Barros, muito amigo nosso, e me fez convite para fazer parte em um conjunto de alunos, aos quais ele estava ensinando música. Eu dizia que não estava interessado em aprender música, que a minha vida já tinha mudado, pois eu já estava casado e não podia assumir outros compromissos. Mas ele sempre insistindo comigo, que não me cobrava nada, era só duas vezes por semana de aula, o estudo era de noite. Aí, minha mãe entrou no assunto e disse-me: “– Aceita este convite. Eu sempre tive vontade que um filho meu aprendesse música e, hoje, surgiu a oportunidade”. Com esse pedido que minha mãe me fez, eu comecei a estudar música, aos vinte e seis anos de idade. As aulas eram em casa do professor Vieira, em um Arraial distante, três quilômetros de distância. Era só quartas e sábados da semana, mas mesmo assim era um sacrifício, pois eu trabalhava na roça, e, quando chegava o dia de aula, mesmo cansado de puxar a enxada o dia todo, tinha que caminhar a pé três quilômetros, ida e volta.

(...)

Luiz de Sales era amigo de seus amigos. Recordo-me de uma vez que minha mãe estava muito mal, dois meses de cama, sofrendo uma dor no peito, que impedia a respiração. Parecia mesmo que ia morrer, pois já não alimentava, só gemendo, dia e noite, Como meu pai era compadre e amigo de Luiz de Sales, recebeu dele, nesta ocasião, uma valiosa ajuda. Meu pai ia passando, em frente à casa de Luiz de Sales, para ir à farmácia, para dar informação da doença de minha mãe ao farmacêutico, e, também, apanhar remédio para a dor de peito que ela sentia, aí, o senhor Luiz de Sales perguntou a meu pai como ia passando minha mãe. Meu pai respondeu que minha mãe não estava bem, e que ele ia até à farmácia, para dar informação ao farmacêutico que estava tratando de minha mãe. Para nossa felicidade, naquele dia, estavam os políticos hospedados em casa de do senhor Luiz de Sales, e, aí, o senhor Luiz disse a meu pai: “ – Compadre Zeca, volta pra sua casa e põe a comadre Antoninha no quarto da sala, que eu vou levar o Doutor Waldemar Soares, para fazer um exame na comadre. Meu pai, naquele mesmo instante, voltou pra casa e fez conforme o senhor Luiz de Sales mandara. Com menos de duas horas, o senhor Luiz de Sales e o doutor Waldemar Soares estavam em nossa casa, pois a distância não era longe. Quando eles chegaram em nossa casa, o doutor Waldemar examinou minha mãe e disse pra meu pai: “– Eu vou fazer uma experiência sobre este mal, que está nesta doente. Se for água, eu curo ela aqui mesmo, mas, se for pus, o senhor terá que levar ela até Carangola. Aí, o doutor mandou minha mãe deitar-se de bruço, fincou uma agulha nas costas de minha mãe, e sugou um líquido amarelado. Não era pus. Ele disse a meu pai: “– Não é preciso levar ela a Carangola. Aqui mesmo, eu curo ela”. Meu pai disse ao doutor Waldemar, assim: “– Doutor, amanhã eu vou buscar o remédio”. Isto, já era quatro horas da tarde. E o doutor disse pra meu pai: “– O senhor vai é hoje, não pode deixar pra amanhã”. Meu pai tinha um cavalo de confiança, que podia viajar dia e noite, e o cavalo não afrouxava. Meu pai montou ao cavalo às seis horas da tarde e viajou até Carangola. Antes do amanhecer, apanhou o remédio que o doutor tinha receitado, entre meio-dia a uma hora, minha mãe já estava tomando o remédio. No decorrer de três dias, minha mãe já estava bem melhor, a dor já tinha desaparecido. Ela ainda estava bem fraca, mas, com o espaço de uns vinte dias, meu pai levou a informação de seu restabelecimento ao doutor Waldemar, que receitou fortificante pra ela tomar. E, ela ficou curada de um mal, que o doutor deu o nome de pleuris, água no pulmão. O mais importante de tudo isto foi a cura de minha mãe, mas, houve um outro fato também importante. O meu pai só pagou os remédios, o doutor nada cobrou do exame e da viagem, porque era época de acontecimento político. Quem viu o Arraial do Choro, naquela época, e o vê hoje em dia abandonado, sente até vontade de chorar, assim como seu próprio nome, dado pelos fundadores do lugar: Choro.

(...)

E quando chegava fim de ano, no Natal, na véspera, todos iam à Missa do Galo, passavam a noite acordados, faziam muita comida gostosa, doces, farinha de amendoim, pé-de-moleque (doce de amendoim). Tinha também uma brincadeira de pedir festas uns aos outros. Os homens pediam festas às mulheres, e as mulheres pediam festas aos homens. Lembro-me que minha mãe mandava levar presente de comida à tia Olívia, tia Cota, vovó Maria Brasilina. Estes eram os vizinhos de mais perto, e recebia também os presentes que eles mandavam pra ela. Era uma união de fraternidades! Algumas vezes, minha mãe Ninha (Antoninha) recebia presentes até de longe, de parentes que moravam mais retirados. E ela os retribuía da mesma forma. Quando matava capado, minha mãe tinha o cuidado de mandar um pedaço de carne para o vizinho. O mesmo fazia o vizinho, que retribuía da mesma forma. Entre eles, havia também o costume de pedir emprestado alguma coisa, ou ferramenta, ou mesmo sal ou querosene; até feijão cozido, os vizinhos tomavam emprestado. Mas, tinham o cuidado de pagar. Porque, ainda hoje, uma amizade para ser conservada, é preciso andar direito uns com os outros.

(...)

P
assamos a falar agora sobre a minha infância. Antigamente, se ouvia dos mais velhos um ditado: “Quem nasce pra dez réis, não vai a vintém!” Eu nasci com este destino. Desde pequeno, as coisas, para mim, não se concretizam. Quando eu penso que vou realizar algum negócio, aquilo desmancha como uma bolha de sabão. Isto já vem desde a minha infância, a começar pelo o meu nascimento. Minha mãe dizia que, quando eu estava para nascer, ela preveniu a tia Antoninha, a irmã de meu avô Joaquim, que era também tia de minha mãe, para que ela ficasse de sobreaviso e viesse ajudá-la. No dia 18 de fevereiro de 1910, às 6 horas da tarde, minha mãe começou a sofrer as dores do parto. Ela disse ao meu pai: “– Vai buscar a tia Antoninha, porque eu estou passando mal.” Meu pai saiu correndo. A tia não morava longe, morava a uma distância de um quilômetro, mais ou menos. Mas, antes da tia chegar, eu já tinha nascido, só com a minha mãe no quarto. Dizia a minha mãe que, antes um pouquinho de meu pai chegar, ela viu cair uma cabeça de alho na beira da cama. Então, ela pensou que fora alguém que jogara, por brincadeira. Pensando assim, esperou o meu pai chegar com a tia Antoninha. Depois de tudo controlado, já com o quarto em ordem, ela disse ao meu pai: “– Eu vi cair uma cabeça de alho, aqui dentro do quarto, e rolar pra debaixo da cama.” Meu pai olhou e não viu nada, e disse pra minha mãe: “– Foi impressão sua!’ Ela atestava: “– Não! Eu vi cair!” Mas, o certo é que não tinha alho nenhum debaixo da cama. Quando eu atingi a idade de um ano, já andando corretamente, sofri o sarampo, que me paralisou as pernas, impedindo-me de andar. E contava a minha mãe, que eu fiquei tão mal, que eles não acreditavam que eu pudesse sobreviver. E teve um dia que ela disse ao meu pai: “– Vamos levar o Antônio para o padrinho abençoar ele antes de morrer.” E assim fizeram. O padrinho era nosso vizinho, por nome Jove Fortunato, e a madrinha se chamava Marcolina Leandro. Assim que chegaram em casa do padrinho Jove, e disseram que tinham ido em casa deles somente para que me abençoassem, o padrinho, muito inteligente, disse à madrinha: “– Vai até a horta, apanhe hortelã, e ferve com leite”. Assim, a madrinha fez. Depois de fervido o leite, ele disse a minha mãe e a meu pai: “– Se ele beber e suar, ele não vai morrer!” Dizia a minha mãe que tudo de beber que punham em minha boca, eu bebia com gana. Depois que o chá esfriou um pouco, misturado com o leite, me deram para beber. E o padrinho disse a madrinha: “– Deita ele na cama e abafa, até ele suar.” Dizia minha mãe que, em poucos minutos, eu comecei com sinais de suor. Ele disse pra minha mãe: “– Comadre, seu menino não vai morrer, ele precisava era de um suador. Deixa ele aqui em casa, por uns dias, que eu vou cuidar dele.” E, assim, meu pai e minha mãe voltaram para casa, e me deixaram com os padrinhos. Eles cuidaram de mim, até eu ficar bem forte, e me entregaram a meus pais. Mas, aquele uso de beber leite com hortelã não saiu de mim. Eu fiquei com aquele costume. Se não tivesse hortelã no leite, eu não bebia. Eu já estava bem grande e só tomava leite com hortelã.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: SINHÁ MARIA BRASILINA DE JESUS - A AVÓ BRANCA DE OLHOS AZUIS DE ANTOINZINHO PAPAI - 7

DE VOLTA PARA O PASSADO: SINHÁ MARIA BRASILINA DE JESUS - A AVÓ BRANCA DE OLHOS AZUIS DE ANTOINZINHO PAPAI - 7

NEUZA MACHADO

O avô de Antoinzinho Papai, o Sinhô Mestiço Joaquim Pereira da Cunha, era casado com Maria Brasilina de Jesus, uma descendente da família Alves de Divino do Carangola (uma senhora muito bonita, oriunda da fina flor da aristocracia portuguesa-rural de Minas Gerais, branca, de olhos azuis, segundo as seguras informações de meu pai).

Ainda de acordo com as Memórias de Antoinzinho Papai (indeléveis lembranças de meu querido pai, reavivadas prazerosamente em seus momentos de descontração familiar — isto, nas ocasiões em que Jane Mamãe estava de bom humor e também contava os interessantes casos de sua família), a minha bisavó Maria Brasilina foi muito amada pelo bisavô negro Joaquim Pereira, o herdeiro da Fazenda Cachoeira dos Pereiras (inaugurada pelo português João Pereira da Cunha, em meados do século XIX).

Para os Internautas apreciadores de Antigas Histórias Familiares de Minas Gerais, os mimoseio com mais alguns trechos da História de Antônio:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


Joaquim Pereira da Cunha, nome completo, casado com Maria Brasilina de Jesus. Tiveram nove filhos, sendo seis homens e três mulheres. Nome dos homens: João, Sebastião, Joantônio, Luís, Raimundo e Manuel. Nome das mulheres: Antônia, que tinha apelido Antoninha (minha mãe), Olívia e Corina. João, sendo o filho mais velho, casou-se com Cecília e foi morar em Mutum, um lugar que fica ao Norte de Minas. Sebastião casou-se com Maria, apelidada Cota. Joãntônio casou-se com Maria, viúva de Manoel Lopes. Ela morreu, e ele casou-se pela segunda vez com Augusta, viúva de Antônio Amorim. Luís casou-se com Floripes. Raimundo casou-se com Antoninha, e Manoel casou-se com Conceição. A filha Antoninha casou-se com José de Souza Costa, apelido Zeca (estes foram os meus pais). Olívia casou-se com Marcolino. Corina casou-se com Antônio, apelidado Antônio Carabineiro. Estes são os nomes dos filhos e filhas de Joaquim Pereira da Cunha e de Maria Brasilina de Jesus (meus avós por parte materna).

Joaquim era severo com os escravos (apesar de seu parentesco com seus próprios escravos, já que sua mãe Antônia era mestiça), batia nos escravos amarrados num topo, e sem piedade. Um dia, as duas escravas quiseram fazer uma vingança, mas não com ele. Dessa vez, elas quiseram matar a esposa dele, Maria Brasilina, que ficou doente e foi pra cama. Estava mesmo a ponto de morrer, mas, Joaquim, desconfiou das duas escravas, e disse pra elas: “– Se Maria morrer, eu vou acender uma fogueira e vou jogar vocês duas vivas dentro do fogo”. Sabendo que ele falava e cumpria o juramento, elas desmancharam o feitiço, e, em poucos dias, Maria Brasilina estava salva daquele mal.

(...)

Mas, continuando a história sobre a minha avó Maria Brasilina, recordo-me do meu tempo de menino, quando minha mãe ia passar o domingo na casa de sua mãe, minha avó Maria Brasilina, e, lá, já estavam tia Olívia, com os filhos; tia Cota, tio Bastião e os filhos; os filhos de tio Joantônio, Geralda e Tião, que ficaram órfãos de mãe e foram criados pela minha avó. Todos nós almoçávamos em casa, mas, o jantar era na casa dela. Como era muita gente para comer, e ela tinha uma grande gamela de pau, minha avó enchia a gamela de todas as iguarias de comidas, e punha a gamela no meio da cozinha muito grande, para a meninada comer, e, ali, o grupo reunido começava a discutir, um com o outro, e, assim, minha avó vinha e separava, para cada um de nós, um montinho de sua saborosa comida, e dizia: “– Agora vocês não precisam brigar; cada um tem o seu monte”. Acabada a refeição, nós íamos brincar, e, assim, passávamos o domingo todo com ela, e, de tarde, voltávamos para as nossas casas. Mas, sempre, eu ia à casa dela, para saber das coisas do passado, que ela me contava, e, também, eu a ajudava no fabrico de tecidos, pois ela fazia cobertores de lã de carneiro e de algodão; fazia até roupa para se vestir; ela cultivava o plantio de algodão. E, quando eu chegava, às vezes, com alguns dos primos, ajudava ela no trabalho. Todos os netos a ajudavam no seu trabalho: ela fiando no tear e nós, meninos, fazendo outro serviço, descaroçando o algodão em uma moendazinha, espécie de uma engenhoca, que passava o algodão, separando os caroços. Dali, o algodão ia ser batido, com um arco, espécie de bodoque, que batia o algodão até separar toda a sujeira. Depois de batido, o algodão era preparado para se transformar em linha. Para fazer linha, minha avó tinha um fuso. Fuso era o nome que se dava a uma espécie de máquina, inventada na Antiguidade, para fazer tecidos. Era uma espécie de piorra, com um cabo comprido; pegava-se um punhado de algodão, ia-se rodando o fuso, esticando a linha, e enrolando num novelo, até ficar do tamanho de uma laranja baía, das grandes. E, assim, era nosso trabalho, com nossa avó Maria Brasilina. Meu Deus, como era bom aquele tempo que não volta mais! A minha avó era uma pessoa muito amável, era muito carinhosa com os netos. Todos nós a chamávamos de mãe e vovô Joaquim, de pai; motivo porque, meu pai, quando casou com minha mãe, morou com os meus avós, e, nos primeiros anos de casado. E nasceram meus dois irmãos mais velhos em casa de meus avós. Tio Manoel e tia Corina eram crianças, ainda bem menininhos, e ensinaram aos meus irmãos a chamar os avós de pai e mãe, e, aos nossos pais, de Zeca e Antoninha, conforme eles chamavam. E, assim, todos nós irmãos, com o passar dos anos, continuamos no mesmo ritmo.


Voltando a Joaquim Pereira, meu avô. Minha avó Maria Brasilina contou-me que, no início que meu avô começou a enlouquecer, ele pegou a filha Corina, na idade de um ano, carregando ela nos braços, chamou dois cachorros, e subiu acima da cachoeira d’água da Fazenda, atravessou a cachoeira, na parte do início da correnteza, carregando a menina, já de noite. Do outro lado da cachoeira era uma mata virgem. Subiu margeando o rio, dentro do mato, até chegar em uma casa velha abandonada. Entrou dentro da casa com a menina, acendeu um fogo, deitou a menina perto do fogo, deixou os dois cachorros vigiando a menina, e foi pra casa de Antônio Acácio Pereira, que era seu sobrinho e concunhado, porque Antônio Acácio era casado com Francisca, irmã de Maria Brasilina. E Antônio era filho de Joana, irmã de Joaquim Pereira. Minha avó Maria Brasilina, quando deu por falta da menina, teve certeza que era o pai que a tinha carregado para algum lugar, pois deu por falta dos dois cachorros, que não estavam em casa. Chamou os filhos, despachou um para um lado, outro pra outro lado, e Raimundo subiu acima da cachoeira, e, quando foi atravessar, escorregou-se no limo da pedra e afundou-se em um remanso. Este trecho da história foi-me contado por ele próprio, em casa de meu pai Zeca. Dizia ele: “– Se não soubesse nadar, tinha morrido afogado”. O remanso era muito fundo. Ele contava que sentiu um zunzum dentro dos ouvidos, e foi até ao fundo, e, quando voltou à flor d’água, nadou e saiu. E foi pela mesma trilha que o pai tinha passado com a irmãzinha, e, chegando até a casa abandonada, encontrou a menina deitada perto do fogo, e os dois cachorros vigiando a menina. Tio Raimundo voltou com a menina pra casa. Ao chegar em casa, a família já tinha recebido a notícia que o pai estava em casa do sobrinho Antônio Acácio. Esperaram o dia amanhecer para irem buscá-lo. Todos os filhos se reuniram e foram buscar ele. Mas, quando chegaram à casa de Antônio Acácio, ele já tinha saído para o outro lado da Serra, e sempre caminhando pra frente, e eles perseguindo-o. Quando chegaram perto, e deram voz de prisão, ele avançou pra cima deles, jogando pedra, e foi a maior luta entre eles, e ele, mais com muito custo, foi preso pelos filhos. Assim, conseguiram prender ele e voltar para casa.

domingo, 21 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: A BISAVÓ SINHÁ TONINHA MULATA DE ANTOINZINHO PAPAI - 6

DE VOLTA PARA O PASSADO: A BISAVÓ SINHÁ TONINHA MULATA DE ANTOINZINHO PAPAI - 6

NEUZA MACHADO

Meu pai Antoinzinho, filho do Zeca de Sousa, antigo sitiante da localidade denominada Choro (hoje conhecida como Santo Antônio do Arrozal, uma localidade campestre que fica entre Indaiá e Divino do Carangola, em Minas Gerais), apreciava relembrar a história de sua família materna. Então, os casos interessantes sobre a famosa bisavó Sinhá Toninha Mulata eram muitos. Alguns ficaram registrados em sua narrativa A História de Antônio (título criado por mim, depois da morte de meu pai).

A bisavó Toninha foi uma mulher rica, graças ao seu casamento com o português João Pereira da Cunha (casamento na Igreja Católica, o que, à época, era o casamento oficial). Entretanto, apesar de ser uma Sinhá rica, a bisavó Toninha de meu pai, segundo o que ele nos contava, era uma mulher trabalhadora, dinâmica, e que tinha obrigações caseiras, como qualquer das suas escravas. A vida no campo é cheia de demandas que não podem ser adiadas, assim, seus habitantes aprendiam cedo a abolir o estado de preguiça. Ao contrário das damas da Corte, no período da colonização, as Sinhás da roça – nobreza rural – assumiam as suas obrigações diárias. Sendo que elas elegiam quais as tarefas que serviriam aos seus próprios interesses, unindo o útil ao agradável, já que, sem esse preenchimento, suas rotinas diárias ficariam vazias.

No caso da bisavó Toninha, segundo o meu pai, o seu trabalho diário era a costura. A bisavó Toninha gostava de costurar para a sua numerosa família (filhos, noras, netos e agregados). Este gosto pela costura foi passado para as gerações seguintes. Sua neta Antoninha Pereira de Jesus (mãe de meu pai; os nomes próprios se repetiam em sinal de homenagem), no final do século XIX e início do século XX, mesmo sendo esposa do Sitiante José de Souza Costa (Sítio = Pequena Fazenda), também foi uma renomada costureira na localidade chamada Choro (Santo Antônio do Arrozal), perto de uma outra localidade chamada Indaiá. Assim, acredito, que ela estava a perpetuar a arte da costura, que foi a tarefa escolhida pela primeira matriarca laboriosa, sendo esta uma das tantas mulheres pioneiras pelo mundo todo que buscaram a independência, demonstrando serem capazes de fazer coisas úteis, com arte, para o grupo a que pertenciam. Mulheres que, apesar de não ter direito de falar o que pensavam, produziram bens que foram importantes para todos, e com isso, se tornaram imprescindíveis e dignas de serem lembradas pelas gerações futuras.

Meu pai foi testemunha da força e persistência das mulheres de sua família materna, a partir da Sinhá Mulata Antoninha (que foi orgulhosamente reverenciada por todos os que a conheceram), admirou-as, e soube valorizá-las, como demonstrou ao longo de sua vida e em seus registros escritos.

Leiam mais um trecho da História de Antônio e comprovem:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


João Pereira da Cunha, vulgo Barba de Argolão, era português, casado com uma mestiça, filha de índio com negro, por nome Antônia, mas era chamada de Antoninha. Desse matrimônio nasceram sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres. Nomes dos homens: Joaquim, Sebastião, João e Manuel. Nomes das mulheres: Joana, Antônia e Luiza. Carangola, até hoje em dia, é conhecida como uma cidade da Zona da Mata Mineira. Naquele tempo era mata virgem cerrada, com poucos moradores. A terra era posseada. O Governo da Regência Imperial oferecia as posses para os súditos portugueses. Cada morador português remarcava o seu pedaço de terra o quanto queria. João Argolão, como era chamado, tendo ele muitos escravos, demarcou uns quinhentos alqueires de terra. As divisas eram águas vertentes. Com os seus escravos, ele fez uma picada nos altos. De distância em distância, ele cortava uma árvore das mais grandes e dizia para os escravos: “– Esta é a divisa que tem que ser respeitada”. E, assim, formou uma grande Fazenda que, até hoje, tem o nome de Fazenda Cachoeira.

Quando João Pereira, vulgo Barba de Argolão, morreu, a Fazenda foi dividida entre os filhos. Meu avô Joaquim, sendo o mais velho dos irmãos, ficou com a Sede da Fazenda, porque já morava perto. Os outros irmãos, que já eram todos casados, tinham as suas residências mais longe. Quando eu entendi-me por gente, ainda conheci a minha avó-bis, que morava com um filho, Sebastião Pereira. Sebastião Pereira era casado com Maria Luisa. Tio Sebastião Pereira possuía grande criação de carneiros e, todos os anos, quando chegava o Verão, ele tosquiava os carneiros, tirava a lã, e a tia Maria fazia cobertores de lã de carneiro, e fazia, também, de algodão; fazia até roupa de vestir em casa. Naquela época, só se vestia roupa de algodão em casa ou no trabalho pesado; para passear, usava-se roupa de seda para as mulheres e, para os homens, roupa de tecido de casimira inglesa (tecido da Caxemira), para os ternos, ou então linho de boa qualidade. Tio Bastião Pereira, como era chamado por todos nós, e tia Maria Luisa viviam muito felizes com seus oito filhos, morando perto, todos muito reunidos, e, todos os dias, iam à casa dos pais, para pedir a bênção aos pais, rezar ladainha, terço, juntamente com a avó, que era a minha avó-bis, já velhinha quando a conheci. Minha avó-bis, que era chamada de vovó Toninha, morreu aos noventa anos, sofreu o mal da velhice por vários dias; todos os filhos, netos e bisnetos iam fazer quarto a ela, durante a noite. Eu, nessa época, era bem menino, mas recordo-me o que meus pais e meus tios comentavam sobre ela. Eles falavam, até em espécie de uma brincadeira: “– A Vovó Toninha não quer morrer! Não tá podendo nem virar na cama, e sempre rezando, pedindo a Deus, vida”. Vovó Toninha rezava assim: “– Pela Vossa Divina Luz, me conservai, me ajudai!”

Os outros irmãos de meu avô Joaquim Pereira venderam as suas heranças, por pouco mais de nada, e foram para outras terras. João foi para Ponte Nova, e Manoel foi para o Norte de Minas. Antônia e Luisa também venderam as suas heranças. Antônia era casada com o irmão de minha avó Maria Brasilina de Jesus (minha inesquecível Brasilina, descendente da Família Alves de Divino do Carangola), por nome Antônio Luís Alves, que eu não conheci. Antônio Luís Alves morreu ainda moço, e a tia Toninha, como era chamada, vendeu a herança para um sobrinho por nome Pedro Alves, que era o filho mais velho do segundo casamento de Joana. E Luisa (esta eu não conheci) mudou-se para um lugar por nome Vargem Alegre, no município de Manhuaçu, e por lá viveu, sem nunca voltar à Fazenda Cachoeira dos Pereiras.

sábado, 20 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: O AVÔ NEGRO DE ANTOINZINHO PAPAI - 5

DE VOLTA PARA O PASSADO: O AVÔ NEGRO DE ANTOINZINHO PAPAI - 5

NEUZA MACHADO

Fotografia de meu Antoinzinho Papai


Neste Dia da Consciência Negra, desejo que os leitores de meus três Blogs conheçam alguns trechos da História de Antônio, uma narrativa escrita por meu Antoinzinho Papai. Meu pai legou-me dois cadernos manuscritos (os quais tive a honra de lê-los, enquanto os digitava) em que ele narra, a partir da figura de seu bisavô materno, o rico fazendeiro português João Pereira da Cunha, a trajetória de sua senhorial família - o caminho da riqueza à pobreza, por ocasião da Abolição da Escravatura.

Nos primeiros capítulos, meu pai relata o início de vida do português João Pereira da Cunha (o Sinhô João Pereira Barba de Argolão) em Minas Gerais (certamente, um novo cristão, via sobrenome de família), fala das terras virgens aposseadas que o bisavô adquiriu, fala dos escravos de sua Fazenda, do casamento do bisavô português com a mestiça Antônia, da família que formaram, etc. Entretanto, a parte mais triste da narrativa de meu pai refere-se ao seu avô Joaquim Pereira, o Sinhô Mulato. Esse avô Joaquim Pereira morreu louco por ocasião da Abolição da Escravatura.

Sobre esse avô de meu pai, ouvi muitas histórias terríveis. Ele foi um Sinhô muito ruim para com os escravos de sua Fazenda. Segundo o meu pai, que o conheceu, ele não se conformava com a sua cor bronzeada e com o cabelo crespo. Até uns trinta anos atrás, os moradores mais velhos de Divino do Carangola ainda se lembravam do Fazendeiro Maluco Mestiço Joaquim Pereira. Hoje, não! Os meus parentes mais jovens, moradores em Divino e adjacências, desconhecem essas histórias de nossa família.

Para os leitores do Blog, eis os trechos destacados:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


Na década de 1840 chegava à extensão de terra sem dono, que depois se tornaria a Fazenda Cachoeira, Município de Carangola, Estado de Minas Gerais, João Pereira, vulgo Barba de Argolão. Ele vinha de Ponte Nova, Minas Gerais, escoltando sessenta escravos que pertenciam a ele. Com uma autorização imperial bem guardada em sua mala, naquele local fixou residência, pouco abaixo da Cachoeira. Com o documento de posse nas mãos, construiu um casarão que abrigou toda a sua família e agregados. Fez também uma grande sanzala que era a residência dos escravos. João Pereira, vulgo Barba de Argolão, era português, casado com uma mestiça, filha de índio com negro, por nome Antônia, mas era chamada de Antoninha. Desse matrimônio nasceram sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres. Nomes dos homens: Joaquim, Sebastião, João e Manuel. Nomes das mulheres: Joana, Antônia e Luiza. Carangola, até hoje em dia, é conhecida como uma cidade da Zona da Mata Mineira. Naquele tempo era mata virgem cerrada, com poucos moradores. A terra era posseada. O Governo da Regência Imperial oferecia as posses para os súditos portugueses. Cada morador português remarcava o seu pedaço de terra o quanto queria. João Argolão, como era chamado, tendo ele muitos escravos, demarcou uns quinhentos alqueires de terra. As divisas eram águas vertentes. Com os seus escravos, ele fez uma picada nos altos. De distância em distância, ele cortava uma árvore das mais grandes e dizia para os escravos: “– Esta é a divisa que tem que ser respeitada”. E, assim, formou uma grande Fazenda que, até hoje, tem o nome de Fazenda Cachoeira.

Mas teve poucos anos de vida, pois, sendo ele bastante severo com os escravos, duas escravas feiticeiras fizeram feitiço para que ele morresse. E morreu mesmo. Esta história da morte de João Argolão foi assim. Ele saiu da Fazenda para ir ao Divino de Carangola, para fazer umas compras, e as duas escravas ficaram tramando o feitiço, e dizia uma para a outra: “– Nhô-nhô saiu de casa com as pernas dele, mas não entra em casa com as pernas dele”. E tudo isto aconteceu. Elas foram pra debaixo do poleiro das galinhas, apanhavam penas das galinhas, e sempre dizendo: “– Ele não entra com suas pernas”. E tudo isto aconteceu. Quando ele chegou em casa, que foi apear do cavalo, caiu ao chão, e foi carregado até a sua cama, e dali foi para o cemitério. Joaquim, sendo o mais velho dos irmãos, ficou administrando a Fazenda. Joaquim era casado com Maria Brasilina de Jesus. Joaquim também era severo com os escravos (apesar de seu parentesco com seus próprios escravos, já que sua mãe Antônia era mestiça), batia nos escravos amarrados num topo, e sem piedade. Um dia, as duas escravas quiseram fazer uma vingança, mas não com ele. Dessa vez, elas quiseram matar a esposa dele, Maria Brasilina, que ficou doente e foi pra cama. Estava mesmo a ponto de morrer, mas, Joaquim, desconfiou das duas escravas, e disse pra elas: “– Se Maria morrer, eu vou acender uma fogueira e vou jogar vocês duas vivas dentro do fogo”. Sabendo que ele falava e cumpria o juramento, elas desmancharam o feitiço, e, em poucos dias, Maria Brasilina estava salva daquele mal.

Joaquim dirigiu a Fazenda até o ano de 1888 daquela Era, pois veio a liberdade dos escravos, decreto-lei pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888. Com a liberdade dos escravos, Joaquim ficou perturbado do cérebro. Como era estudado, reuniu os escravos no terreiro da Fazenda e começou falando discurso, e dizia para os escravos: “ – Hoje vocês têm liberdade, são senhores de si, fazem o que querem, mas, eu não dou nem um ano e vocês estarão matando uns aos outros”. E, conforme ele previu, isto aconteceu. Os escravos iam para as vendas de cachaças, bebiam até se embriagarem e, na volta para casa, brigavam e esfaqueavam uns aos outros.

Joaquim estava com cinquenta anos quando veio a liberdade dos escravos. Sabendo que não tinha mais negro para trabalhar, ficou tão perturbado, que saiu de casa fazendo desordem, bebendo bebida alcoólica, brigando, batendo e apanhando. Ficou mesmo louco. Chegou até Ponte Nova. De lá, veio a notícia para os irmãos e os filhos, que foram buscá-lo. Sebastião, filho, e Marcolino, genro, saíram em busca de Joaquim, e levaram Antônio Barbosa, que era casado com uma sobrinha de Joaquim, e foram os três até Ponte Nova. Pegaram ele e amarraram os braços atrás, e voltaram com ele para casa. Mas, em certa distância, ele embirrou, fazendo manha, não querendo andar. Eles tiveram então a idéia de surrá-lo. Sebastião e Marcolino saíram de perto, pra não verem ele apanhar, e Antônio Barbosa deu nele uma coça de vara de guaxima, e, assim, conseguiram fazer ele andar, e chegaram em casa. Prenderam-no dentro de um quarto, amarraram uma corrente na cintura dele, e ali ele ficou seis meses preso. No decorrer desse tempo, ele parou de falar, ficou calmo, e assim Sebastião e Marcolino soltaram ele. Isto era no Inverno. Quando chegava o Verão, ele começava a andar, falando sozinho, sem ninguém estar ao seu lado. E quando ele chegava aonde tinha pedra, percebendo que estavam procurando por ele, para prendê-lo, jogava pedra em todos que se aproximavam; ninguém chegava perto, pois ele jogava pedra. Joaquim era alto, forte e muito musculoso. Para prendê-lo, tinha que ser por traição. Reuniram-se os filhos e os vizinhos para prendê-lo. Uns fizeram frente a ele, outros foram pela retaguarda e jogaram um laço nele e puxaram. Joaquim pegou e deu um puxão e derrubou todos que estavam segurando o laço. Isto foi só nos primeiros anos. Depois, no decorrer dos tempos, não havia mais dificuldade para prendê-lo. Sebastião e Marcolino prendiam-no com facilidade. Era de seis em seis meses. Isto durou trinta anos, até à morte dele, quando já contava uns oitenta anos.

Joaquim Pereira da Cunha, nome completo, casado com Maria Brasilina de Jesus. Tiveram nove filhos, sendo seis homens e três mulheres. Nome dos homens: João, Sebastião, Joantônio, Luís, Raimundo e Manuel. Nome das mulheres: Antônia, que tinha apelido Antoninha (minha mãe), Olívia e Corina. João, sendo o filho mais velho, casou-se com Cecília e foi morar em Mutum, um lugar que fica ao Norte de Minas. Sebastião casou-se com Maria, apelidada Cota. Joãntônio casou-se com Maria, viúva de Manoel Lopes. Ela morreu, e ele casou-se pela segunda vez com Augusta, viúva de Antônio Amorim. Luís casou-se com Floripes. Raimundo casou-se com Antoninha, e Manoel casou-se com Conceição. A filha Antoninha casou-se com José de Souza Costa, apelido Zeca (estes foram os meus pais). Olívia casou-se com Marcolino. Corina casou-se com Antônio, apelidado Antônio Carabineiro. Estes são os nomes dos filhos e filhas de Joaquim Pereira da Cunha e de Maria Brasilina de Jesus (meus avós por parte materna).

(...)

Voltando ao João Argolão: Quando o João Argolão veio de Ponte Nova para o Divino de Carangola, com sua família, trouxe também seu irmão por nome Manoel, mais moço que ele. Seu irmão era solteiro e ficou morando junto com sua família. Manoel, sendo tio de Joana, começou a amá-la, e ficou mesmo apaixonado por ela. João Argolão, vendo que aquele amor entre tio e sobrinha podia acabar mal, tratou de fazer o casamento. Deu a parte melhor da Fazenda pra eles morar. Desse matrimônio, nasceram cinco filhos: Antônio, Joaquim, Maria, Manuela e Joaquina. João Argolão deu alguns escravos pra eles, como presente. Manoel começou a trabalhar com seus escravos e formou uma boa Fazenda. Mas, não teve sorte de gozar de seu trabalho, pois morreu ainda moço, deixando a riqueza pra viúva e os filhos. Sendo Joana ainda moça, logo foi pedida em casamento. Casou-se com Sebastião Alves, que era um moço inteligente e muito trabalhador. Sebastião Alves aumentou a riqueza, fez engenho de moer cana, movido a água; fazia rapadura, cachaça; tinha também monjolo de fazer farinha de milho. Era um movimento bonito. Desse matrimônio de Joana com Sebastião, seu segundo marido, nasceram seis filhos, sendo cinco homens e uma mulher. Nome dos homens: Pedro, Manoel, Francisco, Ramiro e Jovelino. Mulher: Vitalina. Sebastião, ao envelhecer-se, ficou cego, mas, mesmo assim, não deixava de dar bons conselhos aos seus filhos, que, todos os dias, reuniam-se em sua presença, para tomar opinião sobre seus próprios negócios. E a Fazenda Cachoeira, que tinha o nome de Fazenda Cachoeira dos Pereiras, ficou sendo chamada Fazenda Cachoeira dos Alves, até o dia de hoje.

Esta história verídica foi-me contada pela minha avó Maria Brasilina de Jesus, sendo eu ainda menino, na idade de oito anos acima. Eu era muito curioso e queria saber de tudo, por isso, ficava fazendo perguntas, não só à minha avó, mas a todos os mais velhos, que tinham satisfação em me contar todo este passado, que eu trago em recordação. Agora, neste ano de 1984, estando eu aposentado, já com os meus setenta e quatro anos, não tendo nada a fazer, vou escrevendo esta história, que já se passou há mais de cem anos, uma parte, e a outra parte, pouco mais de cinquenta anos.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

19 DE NOVEMBRO - DIA DA BANDEIRA BRASILEIRA


19 DE NOVEMBRO - DIA DA BANDEIRA BRASILEIRA


NEUZA MACHADO

No meu tempo de criança, no Grupo Escolar de Carangola, o dia 19 de Novembro era plenamente celebrado. Naquela data, muito especial, as crianças iam para a Escola sabendo que seria um dia de festa. A Diretora da Escola ― Dona Mariinha ― solenemente hasteava a Bandeira Nacional e todos os alunos, pais e professoras perfilados, com a mão direita espalmada no lado do coração, cantavam o Hino à Bandeira Brasileira. Era um grande momento de confraternização, alegria e, principalmente, de amor à Pátria e ao nosso Símbolo.

Depois da homenagem, iniciavam-se as apresentações infantis: cantos, declamações de poesias relacionadas com o evento, discursos (previamente preparados pelas professoras e lidos pelos alunos mais desembaraçados), pequenas encenações infantis, etc. Cada professora, de cada turma, se esmerava em preparar seus alunos para o dia da festa que, de certa forma, finalizava também mais uma etapa do ano escolar.

Naquela época, aprendíamos na Escola a respeitarmo-nos mutuamente (graças a Deus e às nossas Professoras, não percebíamos ali qualquer traço de preconceito, fosse racial ou social), aprendíamos a respeitar o nosso Solo (tão amado!), aprendíamos a respeitar a nossa Bandeira (para nós, um símbolo sagrado), e aprendíamos também a respeitar o Dirigente da Nação.

Nesses oito anos de governo do Presidente Lula – o mais notável Presidente que o Brasil já teve –, o que eu ouvi de opositores (que por sinal se beneficiaram financeiramente, e muito!!!, sob a sua segura gestão) e o que tomei conhecimento do que se publicava nos jornais e revistas do PIG (Partido da Imprensa Golpista), desmerecendo o nosso Presidente Metalúrgico, prefiro não comentar aqui, nesta minha página do Blog.

E neste décimo ano do início do Terceiro Milênio, já não percebo mais o antigo respeito. Com a globalização, não há mais espaço para os sentimentos de patriotismo. Percebo que as comemorações já não possuem a mesma força de antes, a mesma paixão. A mídia televisiva do PIG e principalmente alguns cidadãos politicamente opositores promovem comportamentos desrespeitosos: contra o Brasil, contra os Símbolos da Nação (a bandeira brasileira já se encontra desvalorizada) e contra o Presidente Atual da República (principalmente, contra o Presidente da República...).

Com muita vergonha e tristeza, nesses oito anos de governo popular, escutei muitos desaforos proferidos contra o Presidente Lula, e li a entrevista preconceituosa do poeta Ferreira Gullar a um jornal de Portugal, falandp mal em público do seu Presidente (por ocasião das eleições de outubro). Foi decepcionante para mim, que por muitas vezes apreciei os seus escritos poéticos em sala de aula, ler a opinião elitizada do poeta renomado, que não se pejou em despejar e demonstrar a sua opinião particular ao mundo globalizado (como se a sua opinião bastasse para que o mundo todo se voltasse contra o Presidente Brasileiro de origem humilde, ostensivamente rejeitado por ele). Também tomei conhecimento das ofensas (lixo puro!) de alguns comediantes das Redes de Televisão ligadas ao PIG, de jornalistas de certas revistas que se querem famosas, debochando de um grande e impoluto homem, cuja mácula, para eles evidentemente, foi governar corajosamente bem o Brasil por oito anos consecutivos (já que eles esperavam o pior para o Brasil, sob o comando de Lula, e o melhor para os próprios bolsos).

E hoje — 19 de Novembro de 2010 — estou aqui (penso que solitariamente entre alguns outros solitários) a lembrar-me que a data sinaliza uma homenagem à nossa Bandeira. As possíveis homenagens que serão exibidas por alguns jornais e revistas não traduzirão a essência patriótica dos 82% de brasileiros que aprovam o Governo Lula e querem ver o crescimento da democracia em nosso país. Serão palavras formais, desprovidas de amor à Pátria.



HINO À BANDEIRA BRASILEIRA

Musica: Francisco Braga
Versos: Olavo Bilac

Salve lindo pendão da esperança,
Salve símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz

Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra
Da amada terra do Brasil!

Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul...

Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra
Da amada terra do Brasil!

Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever,
E o Brasil por seus filhos amado,
poderoso e feliz há de ser

Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra
Da amada terra do Brasil!

Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre sagrada bandeira
Pavilhão da justiça e do amor.

Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra
Da amada terra do Brasil!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 4

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 4

NEUZA MACHADO

(Divino – Minas Gerais – Foto do Alcir)
www.ferias.tur.br



Os melhores e magníficos momentos de lazer de minha infância e adolescência foram passados em Divino de Carangola. Minha avó Justiniana de Amorim, depois do falecimento de seu esposo Emiliano Martins, fixou residência nas terras de seu genro Antônio de Barros, em uma localidade chamada Córrego da Gruta da Liberdade (nas imediações do Município de Divino). Da preciosa Cidade de Divino (Minas Gerais), uma Cidade que ainda conserva resquícios arquitetônicos de meados do século XIX, resguardo carinhosas lembranças. Lembro-me sempre das férias de julho, quando meu pai levava-me para a casa de minha avó, e eu ali ficava a livrar-me por uns dias da permanente vigilância de Jane Mamãe (minha mãe era terrivelmente possessiva e autoritária). E os momentos de lazer foram muitos.

Entre as inúmeras lembranças, realço as amabilidades de meus tios, tias, primos e primas, que se esmeravam em proporcionar-me momentos inesquecíveis, gratificantes.

Minhas primas Nelci e Ildaci, filhas de minha tia Luzia Debossan (Debossan: sobrenome do esposo de minha tia Luzia, oriundo de uma família suíça, o meu querido tio Adelino), foram as minhas companheiras nas brincadeiras infanto-juvenis, nas épocas das férias escolares. E o mais interessante de toda esta história: justamente na primeira semana de julho era realizada a Exposição Agro-Pecuária de Divino (ainda é). Meu tio Adelino Debossan, no domingo de muito frio da primeira semana do mês de julho, depois de levar-nos à missa das crianças (na magnífica Matriz do Divino Espírito Santo), premiava-nos com uma tarde de muita comilança e divertimentos mil na dita Exposição. No tal dia, o meu tio Adelino gastava um bom dinheirinho para alegrar-nos. Se bem me lembro, ele não deixava de comprar, para mim e suas duas filhas, bolas de assoprar coloridas e balas de açúcar, também coloridas de formatos diversos, tigelinhas de canjica doce bem quente (para espantar o frio abaixo de zero e para esquentar divinamente nossos estômagos famintos, de crianças saudáveis). E tinha também a Roda-Gigante e outros brinquedos no Parque da Exposição. Visitávamos os currais dos animais vencedores, os espaços reservados aos legumes vencedores (os maiores legumes colhidos pelos Fazendeiros da Região), etc. Era uma festa grandiosa, asseguro-lhes! (muito mais grandiosa se avaliarmos o ponto de vista das crianças felizes), com Cantores Sertanejos de Minas e São Paulo, especialmente contratados para a animação do Evento.

No final do mês de julho, eu voltava para a minha residência de Carangola, em tempo de divertir-me a valer, com meus irmãos mais velhos, na Exposição Agro-Pecuária de Carangola (realizada na última semana de julho, para não concorrer com a Festa de Divino e para fechar com chave-de-ouro as férias escolares da região).

Graças a essas lembranças imperecíveis, consegui trazer o Bhima Voador do Sábio Vyasa da Índia Antiga até ao Século XXI do Início do Terceiro Milênio.

Aqui reapresento-lhes o capítulo (o texto completo se encontra a disposição do Leitor neste mesmo Blog; buscar As Aventuras de Bhima na Terra dos Homens em Marcadores do Blog):


AS AVENTURAS DE BHIMA NA TERRA DOS HOMENS: A EXPOSIÇÃO AGRO-PECUÁRIA DE DIVINO

Neuza Machado


“Naquele dia, o Bhima estacionou a sua Vimana Maravilhosa Voadora na pracinha da Cidade do Divino Espírito Santo do Carangola e, ali, ficou horas e horas entretido, apreciando incognitamente a movimentação do lugar. Diante dele estava parada uma charrete dourada, com um magnífico cavalo branco-azulado, inquieto, esperando o dono, que fora até ao Bar para relaxadamente tomar uma cachacinha mineira branquinha. O cavalo, bellíssimo, por sinal!, estava de pé, coitado!, digo, estava sobre as quatro patas, coitado!, também, assim quomodo estava a charrete, esperando a volta do dono. Enquanto não, o pobre espantava as moscas incômodas com o seu grande e volumoso rabo. O cansaço do pobrezinho era visível, porque, de vez em quando, ele levantava a pata direita de trás, incomodado com a longa espera. Quando se cansava de ficar equilibrando-se apenas com as três patas, o coitadinho suspendia, por uns centímetros e minutinhos, a pata esquerda de trás. Enquanto observava os movimentos do animal, o Solitariozinho olhava as várias pessoas divinenses que estavam ao redor da pracinha, enquanto outras passeavam nos caminhos dourados por entre os canteiros de flores. Alguns habitantes do local conversavam animadamente. Tinha um, então, que alugava os ouvidos do senhor sentado no banco da Rodoviária Olavo de Souza Moreira, e que falava sem parar. O assunto girava sobre os diversos acontecimentos da região, e o dito homem comentava sobre sua vida e sobre a vida de vizinhos de sua localidade natal, além de tecer comentários sobre a Grandiosíssima Exposição, a qual seria realizada dali a um mês.

A Exposição era o motivo de orgulho sincero daquele povo divinense mineiro. No dia esperado, o qual já estava bem próximo!, os melhores e vigorosos animais domésticos seriam apresentados ao público; a população já estava a espera dos rodeios e touradas de entretenimento, uma vez que o povo, muito religioso!, não admitia touradas que maltratassem os animais. Além dos rodeios e touradas, os mais estupendos legumes, cultivados por mãos amorosas, seriam apresentados ao público. Cantores viriam de São Paulo, para a animação da Grande Festa, uma espécie de alegre comemoração oriunda das Grandes Festas Dionisíacas, quando o povo da Antiga Grécia confraternizava-se, para a celebração de mais um anno de muita fartura, com aqueles antigos celeiros repletos de saudáveis alimentos. Parques de Diversão seriam armados, para o entretenimento de adultos e crianças, e barracas e barracas de comidas gostosas, as comidas saborosas da famosa Culinária das Minas Gerais, espalhariam-se ao redor do Grande Campo destinado às Exposições Anuais. A incomparável Exposição Agropecuária daquela incomparável Cidade era, realmente, um grande acontecimento, e o Bhima, com toda a certeza, estaria presente no dia da festa. Enquanto não, continuava a apreciar o movimento da Praça Central, aquela Praça Majestosa!, orgulhosa de suas estupendas árvores frondosas esplendorosas.

Naquele dia, o Bhima reparou bem!, a discípula da Sábia Väjira Diamante dos Curtos Cabelos Enrolados Revoltos Abundantes Vermelhos e Brilhantes estava ali, também, na pracinha da Cidade do interior mineiro, esperando o ônibus Mileum que a levaria de volta ao Rio de Janeiro. A Veneranda estava sentada no banco da Rodoviária local, também apreciando a tal movimentação do lugar, talequal o Extra-Terrestre Bonzinho; mas, diferente dele, a Venerável escrevia sem parar. Dado ao seu natural curioso, pensou: “O que esta dona tanto escreve? Será que ela é meio parente distante do Sábio Vyasa da Índia Brilhante?, aquele homem que conheci, há milênios, e que gostava tanto de escrever?” Só que não sabia que, talequal ele o próprio, as pessoas do lugar também observavam a veneranda, e, dentro de si, faziam as mesmas perguntas: “o que será que esta dona tanto escreve?”

Diante deles, digo, diante do Bhima Invisível e também da Veneranda Diana, as pessoas conversavam curiosas, enquanto esperavam os diversos ônibus, para as diversas localidades ao redor (Santa Margarida, Leopoldina, Muriaé, Carangola, Luísburgo, São João do Manhuaçu, Orizânia, etc.), e demonstravam uma certa agitação, algo muito natural por aquelas bandas, quando alguma coisa, oposta aos costumes do lugar, os incomodava. Realmente, a Veneranda não possuía, nem um pouquinho!, o jeito de ser dos habitantes da região. Notava-se, de longe!, que ela já possuía outros costumes de vida, por seu espírito animado, sua forma liberal de se portar em público, sua espontânea naturalidade, por ser uma velha muito dinâmica e prafrentex, diferente das mulheres dali, secularmente submetidas aos dogmas patriarcais. Sim!, a Veneranda era diferente, mas, percebia-se que estava integrada àquela Cidade, pois parecia muito à vontade, sentada naquele banco da Rodoviária mineira, como se fosse parte inerente daquele lugar. E, realmente, era!, o Bhima bem o sabia. Assim, não foi com surpresa espantosa que ele viu a Veneranda conversando com uma jovem senhora da região, sentada ao seu lado, tendo ao colo um bonito bebê, enquanto a filhinha de oito annos (da jovem, bem entendido), mais ou menos, entretinha-se com o seu caderno e lápis de cor, desenhando ininteligíveis figuras, as quais nem mesmo a Veneranda tinha o poder de decifrar. Então, a Veneranda comprou um picolé de vinte e cinco centavos para a menina. Então, as três continuaram conversando animadamente, já que a Velhíssima abandonara temporariamente o seu caderno de anotações e a sua mágica caneta esferográfica comprada no Deslumbrante Bazar das Minas Gerais. Então, o ônibus da jovem senhora com seu filhinho e filhinha chegou. Então, ela se despediu da Veneranda Discípula da Sábia do Sábio e viajou para longe, e nunca mais as duas iriam se reencontrar no Futuro Distante Sem-Muro. Então, a Veneranda retomou a sua mágica escrita, e as pessoas do lugar continuaram a observá-la de longe. E, quanto ao Bhima, ele esperou o ônibus do Rio de Janeiro chegar, apreciou a Veneranda Discípula da Sábia se acomodar, deu-lhe um discreto adeusinho, o qual ela nem percebeu, coitadinha!, viu o ônibus se movimentar em direção à BR-116 do esburacado trajeto rodoviário de 2003, não muito exemplar, pediu ao Senhor Supremo que levasse a amiga sã e salva até ao Rio de Janeiro das Batalhas Diárias, e, por último, retornou à sua cômoda e aconchegante caminha limpinha e flutuante, bem quentinha, no interior de sua Maravilhosa Vimana Voadora e Esplendorosa Muito Bonitinha. E foi descansar, porque fazia um frrrrrriiiiiio tremendo!, de tiritar sem parar, sem sair do lugar. No dia seguinte, já descansado, ele iria se preparar para viver, à moda dos terráqueos, novas aventuras de arrepiar na Terra dos Homens Massificados do Início do Terceiro Milênio Praláde Agitado.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 3

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 3

NEUZA MACHADO

Emiliano Martins Sant’Anna (o filho do Fazendeiro Juca/José Martins, o primeiro proprietário - final do século XIX - de um lugar chamado Cachoeira dos Martins, na Zona da Mata Mineira), o Papai de Jane Mamãe, além de notável caçador, ajuizado lenhador e marceneiro conceituado, foi um Notável Contador de Estórias Extraordinárias nos dinâmicos serões familiares (e também quando o convidavam para as festas de casamentos, aniversários, batizados e outras comemorações diversas). Confesso-lhes que não conheci o Memorável Emiliano Martins, contudo, nos Anais de minha Família Materna, sobre os inúmeros talentos desse meu Avô, há muitas histórias interessantes.

Minha Jane Mamãe, sempre que se encontrava alegre e de bom humor, gostava de relembrar as façanhas de seu pai Emiliano. Dizia a Jane Mamãe que, quando o Velho Emiliano Martins começava a contar uma estória de mistério ou de assombração (para os adultos), ou mesmo uma estória de fadas (para as crianças), ele se transformava. De acordo com as palavras de minha mãe e o testemunho de meu pai e de meus dois irmãos mais velhos (todos já falecidos), a história adquiria força e movimento, simplesmente porque o narrador Emiliano era incomparável, movimentando-se também ele ao longo de seu narrar. Nas ditas reuniões, as pessoas, que ali se encontravam para ouvi-lo, ficavam impressionadas com a sua forma de narrar. Por exemplo, se houvesse necessidade de subir em uma mesa, ou mesmo de fingir o ato de galopar, enquanto contava uma estória, ele se metamorfoseava, a imitar os trejeitos (gestos, caretas, esgares, etc.) dos personagens. Minha Jane Mamãe foi uma ardorosa admiradora das estórias de seu pai Emiliano e, enquanto viveu, ela se preocupou em reacender sempre a chama de seu amor filial, recontando-nos as ditas estórias.

Por ocasião do desenvolvimento de um dos capítulos de minha narrativa As Aventuras de Bhima na Terra dos Homens inspirei-me nas figuras de meu Avô Emiliano (que infelizmente não conheci) e de minha Avó Justiniana (uma maravilhosa avó que, na minha infância, honrou-me com seu amor e carinho), para a elaboração transfigurada de uma das Empresas Incomuns do Extra-Terrestre Bonzinho. Lembrei-me do grande terreiro de terra batida da casa de minha Avó Justiniana (localizada na Gruta da Liberdade, em Divino, nas terras de seu genro Antônio de Barros) e, principalmente, lembrei-me também da belíssima árvore que, segundo minha avó, fora plantada e cuidada com carinho pelo Velho Emiliano.

Aqui reapresento-lhes o capítulo (o texto completo se encontra a disposição do Leitor neste mesmo Blog; buscar As Aventuras de Bhima na Terra dos Homens em Marcadores do Blog):


AS AVENTURAS DE BHIMA NA TERRA DOS HOMENS - O SENHOR DA ÁRVORE DA MORTALHA

Neuza Machado


“E a Sábia Väjira Diamante Mineira contou-me o caso que aconteceu com o Senhor Plantador da Árvore da Mortalha, o Velhíssimo Emilianno Martins Romano de Sant’Anna, papai da Jane Briseides e vovô da Veneranda Diana:

Naquele dia, lá pelo meado do Século XX, o Bhima, ao assestar seu Binóculo Mágico em direção a uma pequena comunidade da Zona da Mata de Minas Gerais, percebeu uma diferente movimentação no pátio da casa do Velho Marceneiro e Carpinteiro Emilianno Martins Sant’Anna, mais conhecido pela alcunha de Emilianno de Brises, uma vez que ele era descendente do afamado Brises Homérico dos Gregos Antigos. “― O que estará acontecendo com o Emilianno?”, pensou, muito ocupado em entender o que estava a ocorrer com seu velho amigo. Arregalou bem seus grandes olhos de Extra-Terrestre, amendoados e brilhantes, e ficou a apreciar, de longe, naturalmente!, os movimentos provenientes do grande terreiro de terra batida. Olhou com bastante atenção e horrorizou-se quando constatou a terrível realidade: o Velho marceneiro e carpinteiro, um antigo vigoroso lenhador, e ainda caçador de onças pintadas e jaguatiricas noturnas nas horas vagas, além de ser um notável contador de estórias da Carochinha aos Sábados e Domingos, estava a derrubar a sua velha árvore de estimação. Não!, o Bhima não podia acreditar em seus grandes olhos! O Velho adorava sua velha árvore! “Então?!!!, por que está ele a derrubá-la, meu Santo Antão!?”, perguntou-se o Bhima Brilhantão.

Enquanto apreciava a força do Venerável Ancião, quase centenário, em seu trabalho de derrubada da árvore gigantesca, lembrou-se do dia em que, o mesmo, no esplendor de seus vinte annos de idade, havia plantado a muda da árvore Yekiti’bá, ali, naquele mesmíssimo lugar, no centro do pátio de terra batida, em frente à sua casa de recém-casado exemplar, e o cuidado e carinho que dedicara-lhe naqueles setenta e sete annos de convívio diário. “Então, por que o Velhíssimo Emilianno resolveu derrubar a sua árvore de estimação?”, pensou o Bhima pela segunda vez.

Ali, os dois conviveram amigavelmente em todos aqueles annos. Poucas pessoas conheciam a existência do Extra-Terrestre, e o Velho Emilianno era uma dessas poucas pessoas, uma vez que ele era um criativo contador de histórias de entretenimento. O Bhima bem se lembrava da aflição do rapazola Emilianno (nascido em um anno qualquer da segunda metade do século XIX), naqueles primeiros meses de vida da árvore, quando a pobrezinha se viu enfraquecida pelos ardentes inclementes raios solares e quase morreu. O Emilianno, naquela sua época terrena de incrível força varonil, ficou muito angustiado. Ele ficou tão angustiado, mas tão angustiado!, que dedicava a maior parte do tempo aos cuidados com a árvore recém-plantada.

Naquela época, o Bhima bem o sabia!, o Emilianno já era um reconhecido marceneiro e carpinteiro, mas era também um forte lenhador, seu trabalho era derrubar árvores só com a força de seus braços nas proto-Fazendas da região. O motivo das derrubadas era a necessidade de expansão territorial, e a maior parte das terras, daquela região da Zona da Mata Atlântica Mineira, como bem se pode adivinhar!, no Século XIX, era de mata virgem intransitável. Por isto, o Emilianno não via nenhum mal em derrubar algumas árvores, isto é certo!, mas, também, plantava-as em grandes quantidades, em pequenos vasos, para repô-las em outros locais pouco acessíveis aos seres humanos, locais esses que estavam sem árvores, talvez, por um processo de desmatamento natural.

O fato é que o Emilianno era do tempo do povoamento daquela região tão amada por Bhima. Um reino europeu estava a se apossar, já há uns quatrocentos annos, mais ou menos, daquelas extensas e férteis terras tropicais, localizadas na América do Sul de Inigualáveis Belezas e Esplendores Gerais. Na verdade, o povo muito amado era uma mistura de várias etnias, cujo sangue principal provinha justamente daquela raça branca européia. Mas, é bom que se esclareça!, desde já!!!, a cor que predominava entre eles era a maravilhosa cor de jambo dourado, graças a uma saudável mistura do sangue branco português com o sangue ebanístico provindo da África e, também, graças à mistura com o sangue amarelo-ouro dos silvícolas puris que povoavam a região antes do aposseamento, sem contar a magnífica contribuição divinal do Apolíneo Sol Esplendoroso do Trópico de Capricórnio Sem-Igual, o qual acariciava aquelas peles moirenas, na maior parte das Efemérides Terrenas, nos Ardentes Verões Tropicais e nas Primaveras Floridas Multicoloridas Especiais. E, assim, naqueles muitos annos, o Extra-Terrestre também acompanhou, de longe, evidentemente!, o desenrolar daquela amizade entre o Emilianno e a sua árvore de estimação. Enquanto ela crescia, crescia a força do Emilianno de Brises; crescia o seu valor de homem trabalhador e honesto; crescia o seu amor por Sá Justiniaña de Ogiges, sua estimada companheira dos ternos aconchegos amorosos e das labutas diárias; cresciam seus inúmeros filhos e filhas, todos fortes e bonitos e valerosos, também, trabalhadores, quomodo o pai que os protegia. Com o passar dos annos, o Emilianno tornara-se uma presença marcante no lugar em que morava, e, aos sábados e domingos, a sua casa se alegrava, sempre cheia de visitas, as quais eram muito bem recebidas por ele e por Sá Justiniaña, sua bem amada mulher. Sob a sombra da grande árvore, muitas visitas saborearam, naqueles muitos annos, os deliciosos quitutes preparados por Justiniaña, uma inigualável cozinheira de inigualáveis manjares da cozinha mineira. O tempero de suas iguarias era conhecido nos quatro cantos da região, quiçá do Mundo todo, e, aos sábados e domingos, as pessoas vinham de longe, trazendo cereais, legumes e verduras, quomodo era o costume, só para terem o prazer de almoçar e jantar e tomar café-com-leite e bolinhos mineiros em casa de Sô Emilianno e Sá Justiniaña, e, ao mesmo tempo, ouvir as suas fantásticas narrativas, uma vez que o carpinteiro e marceneiro, além de lenhador e caçador, era um reconhecido contador de Histórias da Carochinha, aquelas incríveis histórias inventadas para o entretenimento geral. Sob a sombra da grande árvore, muitas visitas saborearam, naqueles muitos annos, também, as deliciosas histórias do Gran Ancião do Mágico Terreirão. O Bhima sempre observara, de longe!, aquelas reuniões sabáticas e dominicais, em casa do Emilianno de Brises, parente longínquo do antiquíssimo Brises Homérico. Naqueles annos todos, o Bondoso Extra-Terrestre nunca, jamais!!!!!!, presenciara atitudes de desagrado, por parte do casal, em relação às constantes visitas dos finais semanais. Eles as recebiam com muita alegria e satisfação. E é bem verdade também, é importante que se diga!, que Sá Justiniaña não trabalhava sozinha no preparo de seus saborosos quitutes. As mulheres visitantes também arregaçavam as mangas de seus vestidos de passeio e iam ajudá-la no preparo da inigualável comida. Então, a grande cozinha do velhíssimo casal se transformava em uma sala de bate-papo, melhor do que qualquer sala de bate-papo dos dias atuais, melhor do que qualquer sala de bate-papo via Internet. As mulheres colocavam seus assuntos rotineiros em dia, e os homens esperavam a hora da comilança, conversando e pitando cigarros de palha recheados de fumo-de-rolo, abrigados debaixo da frondosa árvore de estimação. Enquanto não, as libélulas voavam e os pássaros cantavam! A árvore era tão frondosa que havia lugar, embaixo dela, para as crianças recrearem. Enquanto os mais velhos conversavam, as crianças brincavam de roda, de pique-será, de amarelinha, de bola-de-gude, e muitas outras brincadeiras infantis. E eram muuuuuuiiitas criaaanças!!! Em seus frondosos galhos, gerações e gerações de divindades-passarinhos, de diversas raças, fizeram seus ninhos, chocaram seus ovinhos e criaram seus filhotes-adivinhos. A árvore testemunhou, naqueles setenta e sete annos de convívio com o Emilianno de Brises, todos os acontecimentos importantes, e mesmo os sem importância, da vida daquela família. E, naquele momento (“Óh!!! Não!!!”), o Velhíssimo estava a cortar a sua anosa poderosa árvore de estimação!!!!!

Enquanto aquilo ― no quarto matrimonial do pioneiro casal ―, a Velha Justiniaña de Ogiges, praláde centenária (era bem mais velha do que o marido!), costurava duas artísticas mortalhas. Naquele tempo, usava-se costurar as próprias mortalhas antes da morte certeira, eternal. Aí, o Bhima compreendeu tudo! O velho Emilianno estava a cortar a sua estimada árvore poderosa altaneira, para preparar dois caixões de indestrutível madeira; um caixão para ele próprio, e, o outro, para sua velha companheira de annos e annos de convívio conjugal, e muita trabalheira. O Emilianno, sábio!, na mocidade, plantara a sua árvore da vida e da morte, inigualável, de qualidade incomum. Naquele momento (meados do século XX), estava a derrubá-la! Com a resistente madeira da árvore Yekiti’bá, iria fabricar os caixões, os quais levariam a ele e a Sá Justiniaña de Ogiges, sua velhíssima mulher, para debaixo da Terra de Akitsushimá. Naquele momento o Solitariozinho compreendeu o velho inventor de histórias praláde mirabolantes!

Ainda meio entristecido com a atitude do Velhíssimo, o Bhima retornou ao seu Recanto de Luz, para mais uma noite de sono na Terra dos Homens. Ele sabia que os caixões iriam ficar guardados ainda por um bom tempo. O Velhíssimo Emilianno e sua Velhíssima Consorte Justiniaña de Ogiges, uma remanescente daquela Mágica Ilha Famosa Fermosa Brilhosa, ainda iriam viver bastante, até aos cento e cinquenta annos cada um. Mas, não teriam mais a frondosa árvore de estimação para os acompanhar até lá; não teriam não!