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terça-feira, 16 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 3

DE VOLTA PARA O PASSADO: DIVINO ESPÍRITO SANTO DO CARANGOLA - LUGAR SAGRADO DOS ANCESTRAIS - 3

NEUZA MACHADO

Emiliano Martins Sant’Anna (o filho do Fazendeiro Juca/José Martins, o primeiro proprietário - final do século XIX - de um lugar chamado Cachoeira dos Martins, na Zona da Mata Mineira), o Papai de Jane Mamãe, além de notável caçador, ajuizado lenhador e marceneiro conceituado, foi um Notável Contador de Estórias Extraordinárias nos dinâmicos serões familiares (e também quando o convidavam para as festas de casamentos, aniversários, batizados e outras comemorações diversas). Confesso-lhes que não conheci o Memorável Emiliano Martins, contudo, nos Anais de minha Família Materna, sobre os inúmeros talentos desse meu Avô, há muitas histórias interessantes.

Minha Jane Mamãe, sempre que se encontrava alegre e de bom humor, gostava de relembrar as façanhas de seu pai Emiliano. Dizia a Jane Mamãe que, quando o Velho Emiliano Martins começava a contar uma estória de mistério ou de assombração (para os adultos), ou mesmo uma estória de fadas (para as crianças), ele se transformava. De acordo com as palavras de minha mãe e o testemunho de meu pai e de meus dois irmãos mais velhos (todos já falecidos), a história adquiria força e movimento, simplesmente porque o narrador Emiliano era incomparável, movimentando-se também ele ao longo de seu narrar. Nas ditas reuniões, as pessoas, que ali se encontravam para ouvi-lo, ficavam impressionadas com a sua forma de narrar. Por exemplo, se houvesse necessidade de subir em uma mesa, ou mesmo de fingir o ato de galopar, enquanto contava uma estória, ele se metamorfoseava, a imitar os trejeitos (gestos, caretas, esgares, etc.) dos personagens. Minha Jane Mamãe foi uma ardorosa admiradora das estórias de seu pai Emiliano e, enquanto viveu, ela se preocupou em reacender sempre a chama de seu amor filial, recontando-nos as ditas estórias.

Por ocasião do desenvolvimento de um dos capítulos de minha narrativa As Aventuras de Bhima na Terra dos Homens inspirei-me nas figuras de meu Avô Emiliano (que infelizmente não conheci) e de minha Avó Justiniana (uma maravilhosa avó que, na minha infância, honrou-me com seu amor e carinho), para a elaboração transfigurada de uma das Empresas Incomuns do Extra-Terrestre Bonzinho. Lembrei-me do grande terreiro de terra batida da casa de minha Avó Justiniana (localizada na Gruta da Liberdade, em Divino, nas terras de seu genro Antônio de Barros) e, principalmente, lembrei-me também da belíssima árvore que, segundo minha avó, fora plantada e cuidada com carinho pelo Velho Emiliano.

Aqui reapresento-lhes o capítulo (o texto completo se encontra a disposição do Leitor neste mesmo Blog; buscar As Aventuras de Bhima na Terra dos Homens em Marcadores do Blog):


AS AVENTURAS DE BHIMA NA TERRA DOS HOMENS - O SENHOR DA ÁRVORE DA MORTALHA

Neuza Machado


“E a Sábia Väjira Diamante Mineira contou-me o caso que aconteceu com o Senhor Plantador da Árvore da Mortalha, o Velhíssimo Emilianno Martins Romano de Sant’Anna, papai da Jane Briseides e vovô da Veneranda Diana:

Naquele dia, lá pelo meado do Século XX, o Bhima, ao assestar seu Binóculo Mágico em direção a uma pequena comunidade da Zona da Mata de Minas Gerais, percebeu uma diferente movimentação no pátio da casa do Velho Marceneiro e Carpinteiro Emilianno Martins Sant’Anna, mais conhecido pela alcunha de Emilianno de Brises, uma vez que ele era descendente do afamado Brises Homérico dos Gregos Antigos. “― O que estará acontecendo com o Emilianno?”, pensou, muito ocupado em entender o que estava a ocorrer com seu velho amigo. Arregalou bem seus grandes olhos de Extra-Terrestre, amendoados e brilhantes, e ficou a apreciar, de longe, naturalmente!, os movimentos provenientes do grande terreiro de terra batida. Olhou com bastante atenção e horrorizou-se quando constatou a terrível realidade: o Velho marceneiro e carpinteiro, um antigo vigoroso lenhador, e ainda caçador de onças pintadas e jaguatiricas noturnas nas horas vagas, além de ser um notável contador de estórias da Carochinha aos Sábados e Domingos, estava a derrubar a sua velha árvore de estimação. Não!, o Bhima não podia acreditar em seus grandes olhos! O Velho adorava sua velha árvore! “Então?!!!, por que está ele a derrubá-la, meu Santo Antão!?”, perguntou-se o Bhima Brilhantão.

Enquanto apreciava a força do Venerável Ancião, quase centenário, em seu trabalho de derrubada da árvore gigantesca, lembrou-se do dia em que, o mesmo, no esplendor de seus vinte annos de idade, havia plantado a muda da árvore Yekiti’bá, ali, naquele mesmíssimo lugar, no centro do pátio de terra batida, em frente à sua casa de recém-casado exemplar, e o cuidado e carinho que dedicara-lhe naqueles setenta e sete annos de convívio diário. “Então, por que o Velhíssimo Emilianno resolveu derrubar a sua árvore de estimação?”, pensou o Bhima pela segunda vez.

Ali, os dois conviveram amigavelmente em todos aqueles annos. Poucas pessoas conheciam a existência do Extra-Terrestre, e o Velho Emilianno era uma dessas poucas pessoas, uma vez que ele era um criativo contador de histórias de entretenimento. O Bhima bem se lembrava da aflição do rapazola Emilianno (nascido em um anno qualquer da segunda metade do século XIX), naqueles primeiros meses de vida da árvore, quando a pobrezinha se viu enfraquecida pelos ardentes inclementes raios solares e quase morreu. O Emilianno, naquela sua época terrena de incrível força varonil, ficou muito angustiado. Ele ficou tão angustiado, mas tão angustiado!, que dedicava a maior parte do tempo aos cuidados com a árvore recém-plantada.

Naquela época, o Bhima bem o sabia!, o Emilianno já era um reconhecido marceneiro e carpinteiro, mas era também um forte lenhador, seu trabalho era derrubar árvores só com a força de seus braços nas proto-Fazendas da região. O motivo das derrubadas era a necessidade de expansão territorial, e a maior parte das terras, daquela região da Zona da Mata Atlântica Mineira, como bem se pode adivinhar!, no Século XIX, era de mata virgem intransitável. Por isto, o Emilianno não via nenhum mal em derrubar algumas árvores, isto é certo!, mas, também, plantava-as em grandes quantidades, em pequenos vasos, para repô-las em outros locais pouco acessíveis aos seres humanos, locais esses que estavam sem árvores, talvez, por um processo de desmatamento natural.

O fato é que o Emilianno era do tempo do povoamento daquela região tão amada por Bhima. Um reino europeu estava a se apossar, já há uns quatrocentos annos, mais ou menos, daquelas extensas e férteis terras tropicais, localizadas na América do Sul de Inigualáveis Belezas e Esplendores Gerais. Na verdade, o povo muito amado era uma mistura de várias etnias, cujo sangue principal provinha justamente daquela raça branca européia. Mas, é bom que se esclareça!, desde já!!!, a cor que predominava entre eles era a maravilhosa cor de jambo dourado, graças a uma saudável mistura do sangue branco português com o sangue ebanístico provindo da África e, também, graças à mistura com o sangue amarelo-ouro dos silvícolas puris que povoavam a região antes do aposseamento, sem contar a magnífica contribuição divinal do Apolíneo Sol Esplendoroso do Trópico de Capricórnio Sem-Igual, o qual acariciava aquelas peles moirenas, na maior parte das Efemérides Terrenas, nos Ardentes Verões Tropicais e nas Primaveras Floridas Multicoloridas Especiais. E, assim, naqueles muitos annos, o Extra-Terrestre também acompanhou, de longe, evidentemente!, o desenrolar daquela amizade entre o Emilianno e a sua árvore de estimação. Enquanto ela crescia, crescia a força do Emilianno de Brises; crescia o seu valor de homem trabalhador e honesto; crescia o seu amor por Sá Justiniaña de Ogiges, sua estimada companheira dos ternos aconchegos amorosos e das labutas diárias; cresciam seus inúmeros filhos e filhas, todos fortes e bonitos e valerosos, também, trabalhadores, quomodo o pai que os protegia. Com o passar dos annos, o Emilianno tornara-se uma presença marcante no lugar em que morava, e, aos sábados e domingos, a sua casa se alegrava, sempre cheia de visitas, as quais eram muito bem recebidas por ele e por Sá Justiniaña, sua bem amada mulher. Sob a sombra da grande árvore, muitas visitas saborearam, naqueles muitos annos, os deliciosos quitutes preparados por Justiniaña, uma inigualável cozinheira de inigualáveis manjares da cozinha mineira. O tempero de suas iguarias era conhecido nos quatro cantos da região, quiçá do Mundo todo, e, aos sábados e domingos, as pessoas vinham de longe, trazendo cereais, legumes e verduras, quomodo era o costume, só para terem o prazer de almoçar e jantar e tomar café-com-leite e bolinhos mineiros em casa de Sô Emilianno e Sá Justiniaña, e, ao mesmo tempo, ouvir as suas fantásticas narrativas, uma vez que o carpinteiro e marceneiro, além de lenhador e caçador, era um reconhecido contador de Histórias da Carochinha, aquelas incríveis histórias inventadas para o entretenimento geral. Sob a sombra da grande árvore, muitas visitas saborearam, naqueles muitos annos, também, as deliciosas histórias do Gran Ancião do Mágico Terreirão. O Bhima sempre observara, de longe!, aquelas reuniões sabáticas e dominicais, em casa do Emilianno de Brises, parente longínquo do antiquíssimo Brises Homérico. Naqueles annos todos, o Bondoso Extra-Terrestre nunca, jamais!!!!!!, presenciara atitudes de desagrado, por parte do casal, em relação às constantes visitas dos finais semanais. Eles as recebiam com muita alegria e satisfação. E é bem verdade também, é importante que se diga!, que Sá Justiniaña não trabalhava sozinha no preparo de seus saborosos quitutes. As mulheres visitantes também arregaçavam as mangas de seus vestidos de passeio e iam ajudá-la no preparo da inigualável comida. Então, a grande cozinha do velhíssimo casal se transformava em uma sala de bate-papo, melhor do que qualquer sala de bate-papo dos dias atuais, melhor do que qualquer sala de bate-papo via Internet. As mulheres colocavam seus assuntos rotineiros em dia, e os homens esperavam a hora da comilança, conversando e pitando cigarros de palha recheados de fumo-de-rolo, abrigados debaixo da frondosa árvore de estimação. Enquanto não, as libélulas voavam e os pássaros cantavam! A árvore era tão frondosa que havia lugar, embaixo dela, para as crianças recrearem. Enquanto os mais velhos conversavam, as crianças brincavam de roda, de pique-será, de amarelinha, de bola-de-gude, e muitas outras brincadeiras infantis. E eram muuuuuuiiitas criaaanças!!! Em seus frondosos galhos, gerações e gerações de divindades-passarinhos, de diversas raças, fizeram seus ninhos, chocaram seus ovinhos e criaram seus filhotes-adivinhos. A árvore testemunhou, naqueles setenta e sete annos de convívio com o Emilianno de Brises, todos os acontecimentos importantes, e mesmo os sem importância, da vida daquela família. E, naquele momento (“Óh!!! Não!!!”), o Velhíssimo estava a cortar a sua anosa poderosa árvore de estimação!!!!!

Enquanto aquilo ― no quarto matrimonial do pioneiro casal ―, a Velha Justiniaña de Ogiges, praláde centenária (era bem mais velha do que o marido!), costurava duas artísticas mortalhas. Naquele tempo, usava-se costurar as próprias mortalhas antes da morte certeira, eternal. Aí, o Bhima compreendeu tudo! O velho Emilianno estava a cortar a sua estimada árvore poderosa altaneira, para preparar dois caixões de indestrutível madeira; um caixão para ele próprio, e, o outro, para sua velha companheira de annos e annos de convívio conjugal, e muita trabalheira. O Emilianno, sábio!, na mocidade, plantara a sua árvore da vida e da morte, inigualável, de qualidade incomum. Naquele momento (meados do século XX), estava a derrubá-la! Com a resistente madeira da árvore Yekiti’bá, iria fabricar os caixões, os quais levariam a ele e a Sá Justiniaña de Ogiges, sua velhíssima mulher, para debaixo da Terra de Akitsushimá. Naquele momento o Solitariozinho compreendeu o velho inventor de histórias praláde mirabolantes!

Ainda meio entristecido com a atitude do Velhíssimo, o Bhima retornou ao seu Recanto de Luz, para mais uma noite de sono na Terra dos Homens. Ele sabia que os caixões iriam ficar guardados ainda por um bom tempo. O Velhíssimo Emilianno e sua Velhíssima Consorte Justiniaña de Ogiges, uma remanescente daquela Mágica Ilha Famosa Fermosa Brilhosa, ainda iriam viver bastante, até aos cento e cinquenta annos cada um. Mas, não teriam mais a frondosa árvore de estimação para os acompanhar até lá; não teriam não!

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