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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

DE VOLTA PARA O PASSADO MINEIRO: JOSÉ DE SOUZA COSTA - O INESQUECÍVEL “ZECA” DE ANTOINZINHO PAPAI

DE VOLTA PARA O PASSADO MINEIRO: JOSÉ DE SOUZA COSTA - O INESQUECÍVEL “ZECA” DE ANTOINZINHO PAPAI

NEUZA MACHADO


Não tive o privilégio de conhecer o meu avô Zeca de Souza, mas ouvi interessantes histórias a respeito dele. Antoinzinho Papai sempre comentava que o “Zeca” e a “Tuninha” formavam um casal para além da realidade campestre de Minas Gerais (do início do século XX). A vovó Tuninha, por exemplo, antes da doença pulmonar não dispensava o cigarrinho de palha (para entretê-la no trabalho de costura) e o vovô Zeca, segundo a informação de meu pai (pois não o conheci), não bebia e não fumava. E como vocês já leram nas páginas atrás, os doze filhos os tratavam pelos apelidos familiares (um procedimento paternal/maternal que, naquela época, não se coadunava com as normas campestres/patriarcais severas da Zona da Mata Mineira).

Para os Internautas apreciadores de Antigas Histórias Familiares de Minas Gerais, destaco alguns trechos de A História de Antônio concernentes a José de Souza Costa, o “Zeca de Souza”, o amoroso pai de Antoinzinho Papai:


A HISTÓRIA DE ANTÔNIO

ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


José de Souza Costa e Antônia Pereira de Jesus tiveram doze filhos. O mais velho, Olavo; (2
o) Álvaro; (3o) Maria; (4o) Eurico [falecido, ainda jovem, no Hospital Psiquiátrico da Cidade Barbacena, no Estado de Minas Gerais]; (5o) Malvina; (6o) Antônio [que é o mesmo que escreve esta história verídica]; (7o) Almezinda; (8o) Elmira; (9o) Raimunda e Regina, gêmeas; (10o) Clemilda; e (11o) Enedina.

(...)

Eu fui um dos filhos mais agarrado com o pai; aonde o pai fosse, eu queria ir com ele. Sempre que podia, ele me fazia os gostos. Na roça, principalmente, quando as pessoas passam perto das casas, ou mais longe um pouco, aqueles moradores de beira de estrada ficam espiando, até o passageiro encobrir-se atrás de uma curva, ou um morro. Se for um passageiro estranho, os moradores de beira de estrada ficam inquietos, querendo saber quem é aquela pessoa que passou por ali. Meu pai era um destes. Ele sempre dizia que eu conhecia a todos daquela redondeza, como era o costume de se falar. E sempre que alguém passasse pela estrada, e ele não conhecesse a pessoa, ele me chamava pelo nome, e dizia pra mim: “– Ocê conhece aquele que vai lá?” Eu respondia: “– Aquele é o senhor fulano de tal”. Se eu não soubesse, ele não perguntava a mais ninguém, porque ele entendia que só eu conhecia as pessoas.

(...)

A casa do Zeca, meu pai, era muito frequentada por toda a vizinhança. Era uma casa de muita harmonia. (Desde já esclareço que todos os filhos o chamavam pelo apelido, assim como também à nossa mãe Antoninha. Esclareço também que, apesar da aparente intimidade, chamando-os pelos apelidos, nós, filhos, os respeitávamos, pois eles eram muito severos). Os quatro filhos homens tocavam instrumentos de cordas. Ainda vinham alguns colegas trazendo seus instrumentos, para fazerem parte de nossa orquestra. O tio Marcolino era o vizinho mais perto, a casa dele também era muito harmoniosa. Ele tinha sanfona de oito baixos e tocava muito bem. Os filhos de tio Marcolino tocavam sanfona e cavaquinho. O pai de tio Marcolino, Manoel de Souza, tocava viola e cantava as músicas de batucadas dos negros chamadas cateretês. Era uma casa cheia. Em certas noites, nós nos reuníamos para formar uma só orquestra. Isto foi na década de 1920 a 1930. Fazíamos baile, ora na casa de um, ora na casa de outro. Mas, primeiro, antes da dança, nós rezávamos ladainha e terço. Todos eram muito religiosos. A reza era rezada na sala de dentro, e a dança era na sala de fora. Durante a noite, o povo dançava na mais perfeita ordem, e, quando queria tomar café, comer broa de fubá, biscoito de polvilho de mandioca, tinha que ir à cozinha, e, lá, tinha sempre café e broa de fubá de milho à vontade de todos.

Meu pai tinha carro de boi, mas não era carreiro. Quem trabalhava como carreiro era Antônio Pedro de Oliveira, casado com uma irmã de minha mãe, por nome Corina. Antônio tinha o apelido de Carabineiro, Antônio Carabineiro, mas, não era um bom carreiro, porque batia nos bois inconscientemente, não tinha noção do que estava fazendo. O boi que não merecia apanhar, nesse é que ele batia mais. Sendo eu o candeeiro que guiava os bois, observava o quanto ele maltratava os nossos bois. Eu sempre avisava a meu pai, mas ele não acreditava em mim. Pensava que eu dizia aquilo por despeito, porque eu reclamava com meu pai que o Carabineiro me humilhava perto de outras pessoas. Ele me maltratava com gritos, mas era só quando chegava perto dos outros carreiros, gritando e dando forte ferroada naqueles bois que não gostavam de apanhar. O Carabineiro dava berros, e tinha outros defeitos mais. Eu, vendo aquilo tudo de errado, não era autorizado a falar nada. Mas, um dia, meu pai viu com seus próprios olhos.

Meu pai tinha feito uma mudança provisória. Deixou a nossa casa, com um dos irmãos tomando conta, e mudou-se para a Fazenda de Jove de Souza, aonde ele tocava uma lavoura de café à meia com o fazendeiro. Nós tínhamos também lavoura de café, mas era pequena. Como meu pai já tinha dois filhos já rapazes, e tinha também dois empregados, achou que era um bom negócio ter mais café para vender. E, assim, ele ficou morando provisoriamente em uma tulha da Fazenda de Jove de Souza. E o Carabineiro, em nossa propriedade, agia como se fosse o dono do carro.

Fomos buscar uma mudança em um lugar bem longe de nosso lugarejo. Tivemos de viajar três dias com o carro de bois. Saímos do nosso Sítio, caminhamos até chegar aonde íamos apanhar a mudança. No outro dia, saímos com o carro carregado, e viemos até a Fazenda, onde meu pai estava morando. Soltamos os bois e permanecemos até o outro dia. De manhã cedo, nós pegamos os bois, para seguirmos até a entrega da mudança. Mas, meu pai deu-lhe uma ordem. Sendo o Carabineiro padrinho de uma das minhas irmãs, meu pai chamava ele de compadre, e disse pra ele: “– Compadre Antônio, quando chegar lá em casa, ocê solta os bois, que é pra eles descansar, beber água, depois, ocê pega os bois e vai fazer a entrega da mudança”. Nós nos despedimos e seguimos com o carro cantarolando, caminhando estrada à fora. Mas, quando chegamos em nosso Sítio, ele não obedeceu à ordem de meu pai e passou direto. Isto era meio-dia, com o sol quente. Os bois estavam acostumados a chegar ali e serem soltos, já não queriam andar. Pouco à frente, tinha um morro para subir. No início do morro tinha uma mina de água que formava um atoleiro. Chegamos ao pé do morro, o carro atolou. Os bois já cansados, e por terem passado onde eles estavam acostumados a serem soltos, não quiseram puxar o carro. Carabineiro parecia até que estava louco. Começou a dar pregada nos bois, com a guiada, até ficarem, todos, ensanguentados. Depois começou a dar com o pé da guiada no focinho dos bois, até os bois caírem no chão. Era uma junta de bois de guia de muito valor, e ficaram com os focinhos esbagaçados. Mas, por azar dele, meu pai estava chegando e, quando o meu pai viu os bois todos quase mortos, e a junta de bois de guia deitada ao chão, sem força nem para levantar, quase ficou louco. Maltratou ele com nome ruim, de toda espécie. Nesse momento, veio chegando um amigo dele, e quis dar razão a ele. Mas, meu pai estava em estado perigoso, desafiou todos os dois, mas, nenhum resolveu nada contra meu pai. Então, meu pai disse ao Carabineiro, que era carreiro nosso já há vários anos: “– Larga meu carro e vai embora! Não quero ocê nem mais um dia pra ser meu carreiro!” Ele humilhou-se, e disse a meu pai: “– Eu vou ajudar a descarregar o carro. Depois de vazio, agente encosta ele ali no terreiro do Marcolino. Eu carrego a mudança e coloco dentro do carro e, depois, eu vou embora”. Meu pai aceitou. Depois que descarregaram o carro, mesmo vazio, os bois não queriam subir o primeiro tope do morro. Mas conseguimos encostar o carro no terreiro de tio Marcolino. Depois, ele carregou a mudança nas costas, com a ajuda de mais alguns que ali chegaram. Encheu o carro novamente. E Carabineiro foi embora. No outro dia, meu pai disse para mim, que já estava com quinze anos: "– De hoje em diante, ocê é o meu carreiro!”

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