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quarta-feira, 30 de maio de 2012

BRASIL SEM MISÉRIA TIRA 700 MIL FAMÍLIAS DA POBREZA EXTREMA


BRASIL SEM MISÉRIA TIRA 700 MIL FAMÍLIAS DA POBREZA EXTREMA

NEUZA MACHADO

Foto: mds.gov.br/



Peço aos leitores deste meu blog que leiam esta importante notícia no Site da Presidenta Dilma Rousseff, sem esquecer que esta enumeração supracitada - BRASIL SEM MISÉRIA TIRA 700 MIL FAMÍLIAS DA POBREZA EXTREMA - se situa nos 16% restantes ao final do governo do Ex-Presidente Lula.

dilma.com.br/site/archives/7999


Neste momento em que a oposição dos ricos elitizados ao governo popular se faz presente – o governo vitorioso do ex-Presidente Lula e o governo atual da Presidenta Dilma Rousseff, os quais retiraram o Brasil da condição de país inferior –, uma oposição ansiosa por manchar o bom nome de Lula – amado incondicionalmente pelo Povão Brasileiro –, não será demais lembrar aos meus leitores que nos anos finais do século XX a estimativa era de 60 milhões de miseráveis brasileiros passando fome extrema, vivendo ao deus-dará, sem nenhuma perspectiva de mudança em suas sub-vidas (enquanto a minoria rica almoçava caviar estrangeiro ou picadinho de filet-mignon em suas casas e ia jantar nababescamente em Nova York).

E ainda há aqueles que não se conformam com a bolsa-família doada aos que não têm absolutamente nada, dizendo que a mesma sai de seus impostos (e como malham os impostos que atualmente são bem empregados pelo governo popular). O mais interessante é que reclamam da bolsa-família doada aos pobres, mas não falam nada dos salários exorbitantes dos Ministros dos Tribunais pagos também com os nossos impostos (e eles ainda acham pouco!).

terça-feira, 15 de maio de 2012

POLÍTICA BRASILEIRA 2012


POLÍTICA BRASILEIRA 2012

NEUZA MACHADO

No Estado Brasileiro
O Pobrim Não Manda Não...
Briga De Politiqueiro:
É Jaião Contra Jaião.

Na Politicagem Actual,
Os Varões do Vei-Passado
Entraram em Luta Corporal
A Lutar Pelo Roçado.

Do Jeito De Antigamente:
O Povão Não Manda Não...
Não Percebeu o Inocente
Que A Briga É De Gran Jaião?

As Tais CPIs De Agora,
Com A Internet a Mandar,
São a Desculpa da Hora...
Pra Ver Quem Vai Comandar...

O Nosso Lula Querido,
Presidente Popular,
Conseguiu Ser Ungido
Apenas Para Arrumar

A Grande Casa-Brasil
Que Estava A Degringolar...
(O Anterior Gran-Senil
Não Nasceu Pra Trabalhar...)

A Nossa Amada Presidenta
Terá De Prestar Atenção:
CPI Sem Água-Benta
Se Transforma Em Problemão...

Querem Tomar o Cetro
Do Governo Popular...
Estão Armando O Féretro...
Para Depois Dominar...

A Casa Grande Em Polvorosa,
Com Receio Da Pobreza,
Em Grande Briga... Horrorosa!...
Pra Não Perder A Realeza.

Jaiões Que Lá No Passado
Foram Feridos Em Lutas...
Querem Um Novo Reinado...
A Brigar Por Grans Permutas...

Jaião Que Foi Atacado
Por Outro Da Mesma Casta,
Aproveita O Averiguado
Pra Uma Vingança Vergasta.

E O Povão Sem O Seu Guia,
Por Ora, Sem o Bordão...
Se Houver Nova Prelezia...
A Casa Grande Em Acção...

domingo, 13 de maio de 2012

CELSO FURTADO: TESES SUBJACENTES ÀS IDEOLOGIAS REVOLUCIONÁRIAS


CELSO FURTADO: TESES SUBJACENTES ÀS IDEOLOGIAS REVOLUCIONÁRIAS

NEUZA MACHADO

No último capítulo do livro Os Ares do Mundo publicado pela editora Paz e Terra, em 1991, Celso Furtado orienta os leitores na busca de uma bibliografia que ofereça uma boa base de leitura e reflexão para reconsiderar atitudes futuras sócio-culturais, apresentando trinta enfoques que permitem analisar e compreender as Ideologias Revolucionárias do passado.

Assinalo aos leitores do blog que no item 12 pode estar a chave para entender por que a ascensão político-social-econômica da burguesia não foi acompanhada pelas camadas populares (à época, ainda, submissas ao poder da burguesia, apesar da ilusão de terem partilhado da vitória contra a classe aristocrática). A burguesia “foi sempre um ramo das classes dominantes”, como bem avaliou Celso Furtado. Se no momento da refrega entre aristocracia e burguesia – gigantes burgueses da Era Moderna em ascensão lutando com os gigantes aristocráticos da já finalizada Era Medieval –, os burgueses se saíram vencedores com a ajuda das classes desprestigiadas, atualmente, seria um erro pensar que, novamente, a classe operária se deixaria enganar numa guerra que visa somente aos interesses dos que se acham os donos do poder.

É importante, neste momento, entendermos os significados diferenciados de “Governo Monárquico”, “Governo Imperial”, “Governo Ditatorial”, “Governo Populista” e, principalmente, “Governo Popular”. As quatro primeiras expressões estarão sempre relacionadas com as classes ricas dominantes e classes intelectuais pretensamente superiores (mesmo com os bolsos vazios) e continuarão sempre a querer impedir a evolução de um Governo dito Popular.

Apesar dos vinte anos já passados, em relação à publicação destas assertivas de Celso Furtado sobre “ideologias revolucionárias”, seus pensamentos ainda são passíveis de atenção, na medida em que estejam relacionados ao atual momento da política brasileira. Para a compreensão do que se observa hoje no Brasil, neste início de 2012, penso que uma leitura completa do livro de Celso Furtado – Os Ares do Mundo – será de vital importância.


TESES SUBJACENTES ÀS IDEOLOGIAS REVOLUCIONÁRIAS

Celso Furtado


1. A angústia humana segregou a ideia de Revolução: reconquista de uma perfeição perdida. Essa visão de Platão conheceu projeções no mundo cristão. O bom sauvage de Rousseau é um dos múltiplos retornos a esse mito.

2. O homem – segundo a interpretação que nos dá Hegel, em sua Estética, da Antígona de Sófocles – é e será um animal conflitivo, dado que o processo de socialização é necessariamente parcial, permanecendo a atividade humana aberta para a liberdade. Programar o humano como ser social não significa esgotá-lo como projeto. Os conflitos que surgem no indivíduo podem ter projeções sociais, o que faz do homem um ser potencialmente em revolta. É essa dimensão antropológica do pensamento hegeliano que se perde de vista à medida que a ideia de ruptura se circunscreve à esfera das relações de produção.

3. Segundo o mito dos “bons velhos tempos” que expõe Platão no Timeu, os homens foram originalmente governados diretamente pelos deuses, a ordem social prolongando a ordem natural. Na República, Platão demonstra por uma reductio ad absurdum que a vida social é um tecido de conflitos. De acordo com essa visão, a ruptura com o passado requer a destruição das instituições que impedem o homem de identificar-se com o coletivo, e que são o fundamento do individualismo: a família e apropriedade. Isso seria particularmente verdade no caso dos indivíduos responsáveis pela direção e segurança dos negócios coletivos.

4. Revolução não é apenas a desmontagem da estrutura social. Também inclui a reconstrução desta sobre novas bases. A antropologia filosófica de Platão nos oferece uma interpretação do fato político, partindo da natureza compósita da estrutura do homem. A vida social levaria sempre ao conflito: as forças antagônicas, provisoriamente contidas, tendem a voltar à tona. Nenhuma revolução é definitiva. Para Platão, a “força reativa do devenir” tende a minar a ordem racional estabelecida pelo homem.

5. A importância da Revolução Francesa como experiência histórica reside em que abriu espaço à confrontação de forças sociais conscientes, permitindo a percepção do Estado como armadura do sistema de dominação social. Melhor do que ninguém, Babeuf expressou essas ideias: a) a verdadeira Revolução não pode ser a substituição de um grupo de exploradores por outro; b) o povo não tem condições de assumir o poder, portanto deve haver uma fase de transição sob a forma de poder ditatorial exercido em nome do próprio povo, durante a qual seriam destruídas as bases do sistema de exploração do homem pelo homem.

6. As ideias de liberdade e de democracia constituem a principal herança política clássica.

7. A visão da luta de classes como motor da História é um subproduto intelectual da Revolução Francesa.

8. O projeto de reconstrução social que medra no século XIX funda-se em uma ideia de inspiração antropológica: a da valorização do irracional em Fourier. A civilização seria inseparável de um sistema de repressão.

9. A síntese de Marx, a partir de Hegel, introduz uma redução sociológica: a alienação surge da divisão de trabalho, condição necessária para que formas sociais superiores sejam alcançadas.

10. Segundo essa síntese, a Revolução é engendrada pelas condições sociais, pela luta de classes, se bem que a consciência de classe não brote espontaneamente.

11. A insegurança dos indivíduos é traço básico da sociedade capitalista. A consciência de classe não decorre da simples percepção da própria posição social, percepção que possuía o servo; ela somente se manifesta quando existe percepção dos antagonismos geradores da insegurança pessoal. A busca de segurança abre caminho a novas formas de organização social.

12. A ideia de que classe operária é o vetor de novo sistema de valores funda-se em simples analogia com a ascensão da burguesia. Mas esta última foi sempre um ramo das classes dominantes, sem vínculos orgânicos de divisão social do trabalho com a classe feudal.

13. A dinâmica da luta de classes, ao transformar a massa trabalhadora em mercado consumidor de crescente importância, criou as condições de sua integração cultural no mundo burguês.

14. A luta de classes influenciou em duas direções: a) a visualização do desenvolvimento das forças produtivas como elemento criador de tensões que engendram formas sociais superiores; à medida que as tensões foram sendo canalizadas, o capitalismo “anárquico” foi substituído pelo “organizado” e as funções do Estado na ordenação econômica e na administração do “bem-estar social” adquiriram crescente importância; b) a percepção dos valores substantivos como epifenômenos – eflorescência do desenvolvimento das forças produtivas –, o que cerceou a formação de uma visão global do homem, de uma antropologia não-reducionista.

15. A versão marxista da dialética de Hegel produziu a ideia de que os obstáculos institucionais (gerados pelas relações de produção) ao desenvolvimento das forças produtivas conduzem a rupturas violentas. Essa ideia fundamentou as doutrinas revolucionárias voluntaristas que visam à destruição das instituições pré-capitalistas consideradas como freio à acumulação e ao desenvolvimento. Foi com base nesta doutrina que se realizaram os grandes trabalhos de engenharia social do século XX.

16. A Revolução somente se faria possível quando as classes exploradas e oprimidas tomassem consciência da própria situação, o que pressupõe a existência de uma “teoria” capaz de demonstrar que a ordem social presente funda-se na dominação da maioria por uma minoria (ou por agentes estrangeiros) e que essa dominação é obstáculo ao pleno desenvolvimento das forças produtivas. A Revolução é feita contra a exploração e o atraso, e como a massa não está preparada para autogovernar-se, uma vanguarda esclarecida e eficaz deveria assumir esse papel. Estamos, portanto, de volta à ideia central de Babeuf. Lenin não fez mais do que elaborá-la, codificá-la e levá-la à prática com êxito.

17. A crítica principal a essa doutrina funda-se nas ideias dos anarquistas, principalmente Bakunin, segundo os quais um sistema autoritário não pode dar origem a uma sociedade sem classes. Um tal sistema dara à luz, necessariamente, novas estruturas de privilégios. Também cabe assinalar a insuficiência da percepção do fenômeno burocrático como freio à expansão das forças produtivas.

18. Se a reconstrução social pós-revolucionária faz-se no sentido de eliminar os obstáculos à acumulação, as desigualdades sociais tendem a recompor-se ali onde elas favorecem o processo acumulativo.

19. O projeto leninista de reconstrução social assumiu a forma de ampla mudança nas relações de produção: o objetivo limite era organizar o emprego da força de trabalho de forma que a criação de excedente pudesse ser controlada em sua totalidade por autoridade central. Um triplo objetivo é visado: a) utilização plena dos recursos disponíveis; b) redução das desigualdades nos padrões de consumo dos distintos grupos sociais; c) obtenção do máximo de acumulação compatível com os dois objetivos anteriores. Para alcançar esses fins, fez-se necessário, em primeiro lugar, construir um sistema produtivo capaz de alimentar um forte processo de acumulação. No caso da União Soviética, a realização desse projeto foi facilitada pela existência de uma base ampla de recursos naturais, pela preexistência de um núcleo industrial importante, pela possibilidade de extrais um amplo excedente no setor agrícola e pela aquisição maciça de tecnologia do exterior. Sob este último aspecto permaneceu uma forma de desenvolvimento dependente.

20. A reconstrução social assumiu formas diversas de legitimação nos países de desenvolvimento retardado. Em Cuba, ela se apresentou como um movimento de libertação nacional. Na Etiópia, como um esforço de preservação da unidade nacional.

21. De maneira geral, nos países de capitalismo incipiente ou de penetração desigual, os projetos de engenharia social produziram, de imediato, um uso mais intensivo dos recursos produtivos já disponíveis. E também permitiram o exercício de um comando mais eficaz sobre a utilização do excedente, bem como uma ativação das forças sociais.

22. Nesses países de capitalismo retardado, colocou-se imediatamente o desafio de transformação do Estado e da obtenção de novas formas de legitimação do poder. Dificuldades especiais foram enfrentadas nos países do Leste europeu, tutelados pela União Soviética, onde a legitimidade do poder não teve bases políticas, ficando na total dependência de avanços sociais e econômicos.

23. Por todas as partes, o projeto de reconstrução social enfrentou dificuldades sensivelmente grandes no setor agrícola. A organização coletiva de produção agrícola somente se torna viável a um nível de acumulação muito mais elevado do que aquele que havia sido alcançado nesses países.

24. A Revolução Cultural chinesa foi uma tentativa de utilização do mito da ditadura do proletariado para debilitar o sistema tradicional da cultura e reforçar o poder central de natureza essencialmente burocrática.

25. Nas experiências de engenharia social o Estado comportou-se sempre como instituição monitora da formação e da utilização do excedente, o que com frequência inibiu o desenvolvimento da sociedade civil.

26. Na agricultura coletivista colocam-se problemas elementares: como controlar sem centralizar? Como centralizar sem reduzir os estímulos? Como delegar o poder de decisão sem perder o controle da formação do excedente e, mesmo, da alocação deste?

27. A estrutura da empresa capitalista provém das organizações militares: ela deve assegurar uma estrita disciplina no trabalho, o que apenas se consegue com rígida hierarquização de funções. A opção à empresa capitalista é a organização fundada na unidade de propósitos, cujo tipo ideal é a autogestão. Mas como conciliar esta com a preservação do comando sobre a formação do excedente? Se o objetivo é acelerar a acumulação, a tendência será insistir na concentração do poder. É o que veio a ser conhecido como “modelo soviético”. A evolução social passa a ser comandada pela lógica da acumulação. Demais, a empresa hierarquizada pressupõe um eficiente sistema de incentivos que necessariamente conduz a ampla diferenciação salarial entre os que nela trabalham. O poder sindical, neste caso, não pode assumir os interesses da empresa, a menos que tenha condições para interferir na sua política de preços. A conciliação entre objetivos sociais e econômicos reintroduz sub-repticiamente a lógica do mercado e, no caso dos países atrasados, a dependência externa.

28. Estava embutido nas utopias que acionaram os movimentos sociais do século XX um modelo de sociedade voltada para a satisfação prioritária das necessidades fundamentais do homem. A visão antropológica subjacente apontava, portanto, para um homem tendente a saturar suas necessidades, a alcançar a plenitude, a estancar a sua angústia. Perdia-se de vista a “força reativa do devenir”.

29. A instabilidade social inerente ao capitalismo engendra insegurança ao nível do indivíduo e reduz a legitimidade das estruturas de privilégios. Contudo, isso não desacredita o produtivismo que está na base da civilização capitalista.

30. O formidável trabalho de engenharia social realizado neste século fundou-se em doutrinas diretamente derivadas das experiências revolucionárias dos dois séculos anteriores. De uma época de revoluções espontâneas passou-se a outra, de revoluções fruto de um voluntarismo guiado por doutrinas codificadas. Assim, pela primeira vez a História assumiu a forma de desdobramento de projetos concebidos a partir de elucubrações teóricas. Após a engenharia social – um sonho de Prometeu que terminou em pesadelo –, por que caminho tentarão avançar os homens em sua busca perene da felicidade?

Paris, julho de 1980

(FURTADO, Celso. Os Ares do Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: 328 - 333)

domingo, 6 de maio de 2012

CELSO FURTADO: DE GAULLE E O NOVO POLICENTRISMO


CELSO FURTADO: DE GAULLE E O NOVO POLICENTRISMO

NEUZA MACHADO

Celso Furtado, neste capítulo de seu livro Os Ares do Mundo editado em 1991 (é importante que se registre a data desta análise de Celso Furtado, pois já se passaram 20 anos desde então), relembra os anos em que fixou residência na França (em virtude de seu exílio), desenvolvendo também, ao longo de sua explanação, a liderança de Charles de Gaulle em relação à recuperação do espaço francês na arena internacional, pós a Guerra Fria de caráter geral que teve seu auge em princípios dos anos 60.

PARA A REFLEXÃO DO LEITOR, DEPOIS DA LEITURA DO CAPÍTULO, PEDE-SE UMA REDOBRADA ATENÇÃO PARA COM A FINALIZAÇÃO DO TEXTO DE CELSO FURTADO:

“Ao discutir o tema do poder econômico em termos o mais possível amplos eu me empenhava em fazer que os nossos problemas* fossem encarados como de interesse geral, devendo todos os povos contribuir para sua solução. Era necessário fazer compreender que somos todos interdependentes, que as soluções têm que ser globais. Eu tinha presente no espírito o bloqueio criado no mundo universitário norte-americano pela compartimentação de temas e problemas. Não desejava ser visto como um especialista em Brasil, nem mesmo em América Latina. Sabia que nada se compreende de Terceiro Mundo se não se parte de uma visão global de economia internacional, e em particular da dinâmica das economias dominantes. A verdade é que, para perceber o que se passa na América Latina, é essencial partir do estudo dos Estados Unidos, e pelo que eu saiba não existia então nenhum centro dedicado ao estudo desse país como um sistema de poder mundial, nem mesmo na Europa ocidental.” (Celso Furtado)

* “nossos problemas” = problemas do Brasil e da América Latina nos anos tenebrosos que assinalaram a segunda metade do século XX.


DE GAULLE E O NOVO POLICENTRISMO

Celso Furtado


Nos Estados Unidos, meu campo de ação confinava-se no mundo universitário. E o clima geral era de pouca simpatia a alguém que se fizera notório por atividade ditas “subversivas” na América Latina. O inconformismo de um latino-americano tendia a ser interpretado como hostilidade aos Estados Unidos, cujo governo assumia em toda a região, exceto em Cuba, a defesa do status quo social.

Na França, as possibilidades de ação eram mais amplas; inexistia aquela separação entre a vida intelectual e a atividade política característica dos Estados Unidos. Demais, era a época em que, sob a liderança de Charles de Gaulle, os franceses procuravam recuperar espaço na arena internacional. A Guerra Fria alcançara seu paroxismo na crise dos foguetes de Cuba, em 1962, e conhecia novos desdobramentos com o conflito do Vietnã. Enquanto a Inglaterra mantinha uma atitude caudatária que excluía toda iniciativa, empenhando-se na defesa dos restos de sua influência imperial, e a Alemanha se concentrava no formidável esforço de reconstrução de seu poder econômico, comportando-se como um “anão político” – uma mente lúcida como Karl Jaspers chegou a afirmar que os alemães deviam comportar-se como se sua pátria fossem os Estados Unidos –, a França gaullista levantava-se na ponta dos pés e resgatava na plenitude sua soberania nacional.

As rachaduras que começavam a se manifestar no sistema de poder americano – o dólar iniciava então o seu declínio como moeda-reserva – são habilmente exploradas por de Gaulle com gestos espetaculares, como o reconhecimento do governo de Mão Zedong e a desvinculação das forças francesas, em particular as estacionadas na Alemanha, do comando da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Neste último caso, não se tratou de desfazer a Aliança Atlântica, mas de recuperar autonomia de ação e assumir a responsabilidade do próprio destino.

Em realidade de Gaulle explicitava as implicações da evolução da tecnologia militar que estava apagando a diferença entre grande e pequeno poderes termonucleares. Passava a prevalecer a doutrina chamada de “ferrão de abelha”, segundo a qual o que importa na guerra nuclear é menos vencê-la do que ser suficientemente forte para golpear o adversário de forma que este, mesmo vitorioso, fique irremediavelmente mutilado. Assim, o custo da vitória deve ser suficientemente grande para desencorajar qualquer agressor. Alcançada essa massa crítica de poder, a França já não tinha por que submeter-se a um sistema de decisões nas relações internacionais capaz de arrastá-la automaticamente a uma confrontação termonuclear. Alguns precedentes, como o da Baía dos Porcos em Cuba, haviam deixado claro que os americanos estavam dispostos a aceitar elevados riscos na confrontação com a União Soviética. As decisões tomadas por de Gaulle em 1965-1966 colocaram a França em posição privilegiada: preservava-se a Aliança Atlântica, pelo menos enquanto persistisse a confrontação com o Pacto de Varsóvia, mas o sistema de decisões seria suficientemente flexível para que os riscos que a França assumia fossem apenas aqueles que seu governo consentisse em aceitar explicitamente.

Os Estados Unidos se comportavam como se prescindissem do resto do mundo: voltados para o seu imenso mercado interno, satisfaziam-se com uma imprensa provinciana e círculos universitários profissionalizados. Esse quadro apenas começava a modificar-se. Em contraste, na França desde o século XVIII existe um contínuo entre atividade intelectual e o mundo político e social. Daí que o debate de ideias nesse país “conte mais” e mais facilmente assuma a forma de uma abertura para o exterior. Assistia a razão a de Gaulle quando afirmava: “Ninguém nos dá lição de universalismo”.

Não surpreende, portanto, que Paris seja uma caixa de ressonância sem par em todo o mundo. Mas, como já observava Balzac, tudo nessa cidade é rapidamente moído, usado, superado. Daí a inconveniência de expor-se demasiado nessa vitrine. Quando lá aportei, em junho de 1965, com o plano de instalar-me por longo período, fui residir em um subúrbio modesto, na região sul da cidade, onde ninguém me conhecia senão pelo fato – assunto de comentários no clube que passei a frequentar para jogar tênis – de que mantinha luzes acesas até tarde da noite. Não apenas me isolava para trabalhar, convencido de que a luta que me cabia travar era no plano das ideias, mas também para evitar excessivo envolvimento na diáspora brasileira e latino-americana, então em rápido crescimento.

A França se transformara consideravelmente nos quase dois decênios transcorridos desde que eu lá estudara como universitário. De Gaulle marcara o país recentrando-o e restaurando-lhe a consciência de um destino histórico próprio. A diferença maior com o passado estava, entretanto, na importância crescente que se começava a atribuir à solidariedade europeia na visão do mundo.

Para mal ou para bem, a França chegara a acumular considerável atraso vis-à-vis dos países que formam a vanguardamda da civilização material moderna, o que era particularmente visível no que diz respeito a equipamentos sociais. Certo, não se produziram nesse país os excessos da “destruição criativa” que em outras partes levaram à perda de parcela importante da herança cultural. Mas havia que pensar em abrir-se ao exterior, em expor-se à concorrência externa, em abandonar as ilusões do protecionismo “imperial”. Essa transição foi facilitada pela política de integração no Mercado Comum Europeu.

Na boa tradição francesa, o redirecionamento no processo histórico deu-se de forma cartesiana, sem perder de vista os objetivos gerais e sem deslizar na cacofonia. Foi realizado um esforço considerável em pesquisa tecnológica em setores estratégicos como o nuclear, o espacial e aeronáutico, o energético e petroleiro, o da mecânica de precisão, o da química fina e, especialmente, o da informática.

O esforço de pesquisa foi liderado e executado em boa parte pelo Estado, ou com seu apoio financeiro. A planificação indicativa permitiu conciliar abertura para o exterior, criação de novos espaços para a iniciativa privada, convergência de propósitos e continuidade de ação. Também à planificação deve-se a relativa harmonia alcançada entre o desenvolvimento agrícola e o do conjunto das atividades econômicas. O despovoamento do campo na Inglaterra, em auras de uma irracionalidade ditada apenas pelo mercado, evidenciava os riscos sociais de um laisser-faire extremado. A preservação do setor agrícola como forma subsidiária de emprego tem sido um traço marcante do desenvolvimento recente da Europa continental.

Nos primeiros vinte anos do pós-guerra a França manteve uma taxa excepcionalmente alta de crescimento e conheceu importantes mutações em sua estrutura econômica, dobrando o coeficiente de inserção no comércio internacional e alcançando posições de vanguarda tecnológica em setores de relevo. Esse desempenho favorável da economia francesa deu-se a despeito do custo elevado da liquidação concomitante de um arcaico império colonial. A liquidação tardia deste acarretou aumento da oferta de mão-de-obra na própria França, o que pressionou no sentido de tornar indispensáveis maiores investimentos sociais, mas também no de conter a elevação do custo dessa mão-de-obra. Uma relativa elasticidade da oferta do fator trabalho, conjugada a forte taxa de investimento, responde pela tendência persistente a certa concentração da riqueza e da renda, que singulariza a França no grupo de países de mais alto nível de desenvolvimento.

A crise energética de começo dos anos 70 teve amplo reflexos no comportamento das economias mais industrializadas, pois ao provocar maior abertura externa reforçou a posição das grandes empresas, levando a maior concentração de poder econômico. Mais ainda: a redobrada ênfase na competitividade internacional veio intensificar o processo de robotização, o que impôs maior margem de desemprego crônico. Abria-se novo ciclo em que tudo se subordina à competitividade internacional, passando a segundo plano as preocupações com o pleno emprego da mão-de-obra. A pesquisa tecnológica, inclusive no setor de armamentos, será igualmente posta a serviço da expansão das exportações.

Não me foi difícil perceber o quanto é pequeno o espaço que tem para ocupar, na França, um intelectual do Terceiro Mundo, não obstante a simpatia e boa vontade com que possa ser tratado. Certo: no momento a que estou me referindo, a presença dos Estados Unidos na esfera internacional desbordara por todos os lados, fazendo-se por demais incômoda. A simpatia que despertava a América Latina em parte era reflexo da repulsa que provocava a dominação que sobre ela exerciam empresas e autoridades norte-americanas. Estávamos perto do desembarque dos mariners em São Domingos. Nisso havia certamente um elemento de mauvaise conscience da parte dos franceses, dado que os americanos tinham sido os maiores críticos da política colonial da França, de cujas sequelas eles eram herdeiros no Vietnã.

Eu havia percebido com clareza que em um mundo dominado por dois gigantes antagônicos nós estávamos condenados a um estreito satelitismo político, visto que a independência com respeito a um dos dois polos levava necessariamente à subordinação ao outro. Assim, a evidência de que o próprio avanço da tecnologia militar estava possibilitando uma saída policêntrica – o que era confirmado pela linha estratégica adotada pela França – me parecia indicar que entrávamos em uma fase em que os países do Terceiro Mundo disporiam de mais espaço de manobra. De Gaulle foi o primeiro estadista a perceber essa mudança no quadro político mundial. O que explica as inúmeras viagens que fez a países da esfera de influência soviética e do Terceiro Mundo – inclusive a nove da América Latina – no correr da segunda metade dos anos 60.

Havia, portanto, espaço para iniciativas de denúncia do maniqueísmo que dominava a política internacional.

Os dois artigos que publiquei em Le Monde, em janeiro de 1966, sobre “A Hegemonia dos Estados Unidos e a América Latina”, alcançaram considerável repercussão e foram reproduzidos, total ou parcialmente, na imprensa de vários países. Dentro da mesma temática, em particular expondo a evolução estrutural da economia norte-americana, onde as grandes empresas assumiam novas formas e abarcavam espaços geográficos crescentes, publiquei ensaios em revistas de grande penetração, como Esprit e Les Temps Modernes, os quais também foram traduzidos para vários idiomas.

A repercussão dessas publicações traduzia-se em inúmeros convites para pronunciar conferências dentro e fora da França. Eu dava preferência às universidades em que havia centros de estudos latino-americanos, posto que debates que neles se realizavam constituíam pontos de partida de projetos de pesquisa com amplo efeito multiplicador. O editor Calmann-Lévy, da França, escreveu-me solicitando que desenvolvesse os artigos do Le Monde, o que fiz sem demora. O livro resultante teve ampla divulgação, logo traduzido para várias línguas.

Ao discutir o tema do poder econômico em termos o mais possível amplos eu me empenhava em fazer que os nossos problemas fossem encarados como de interesse geral, devendo todos os povos contribuir para sua solução. Era necessário fazer compreender que somos todos interdependentes, que as soluções têm que ser globais. Eu tinha presente no espírito o bloqueio criado no mundo universitário norte-americano pela compartimentação de temas e problemas. Não desejava ser visto como um especialista em Brasil, nem mesmo em América Latina. Sabia que nada se compreende de Terceiro Mundo se não se parte de uma visão global de economia internacional, e em particular da dinâmica das economias dominantes. A verdade é que, para perceber o que se passa na América Latina, é essencial partir do estudo dos Estados Unidos, e pelo que eu saiba não existia então nenhum centro dedicado ao estudo desse país como um sistema de poder mundial, nem mesmo na Europa ocidental.

(FURTADO, Celso. Os Ares do Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: 143 - 148)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

PRESIDENTE LULA: DOUTOR HONORIS CAUSA NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


PRESIDENTE LULA: DOUTOR HONORIS CAUSA NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

NEUZA MACHADO

Hoje, 04 de maio de 2012, tive a honra de presenciar um acontecimento histórico: cinco universidades do Estado do Rio de Janeiro homenagearam o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva outorgando-lhe o título de Doutor Honoris Causa. O ex-Presidente Lula recebeu cinco diplomas de uma vez só, além dos discursos de praxe dos excelentíssimos Reitores das ditas universidades. As homenagens ao ex-Presidente Lula, aqui no Rio de Janeiro, pelo meu ponto de vista, já lhe eram devidas há muito tempo, mas, como diz o ditado popular, “antes tarde do que nunca”.

Sobre a minha emoção por estar presente no Teatro João Caetano, assistindo ao acontecimento histórico, que propiciou e propiciará ainda por um bom tempo material abundante aos jornalistas brasileiros, independentes de suas posições políticas de direita ou de esquerda (pois certamente este dia fará parte da História do Brasil), escreverei depois. No momento, quero apenas dizer que me senti recompensada por anos e anos de militância política solitária, como eleitora fiel do metalúrgico Lula da Silva, em anteriores épocas de eleições para Presidente da República, quase apanhando de outros fanáticos opositores elitizados (a pequena elite carioca contrariada) nas ruas do Bairro da Tijuca e, posteriormente, nas ruas do Bairro de Jacarepaguá. Foi glorioso ver os doutores empavesados a dignificar o ex-Metalúrgico, um homem extraordinário, incomum, carismático, oriundo de um meio social até bem pouco tempo desmerecido.

Sobre os discursos dos cinco Reitores, preciso de um tempo para refletir criticamente sobre os mesmos. Mas, posso adiantar que apenas dois discursos de Reitores mereceram os meus aplausos, porque apenas dois Reitores demonstraram sinceridade e reconhecimento ao exporem os motivos de suas homenagens ao Presidente Lula (não vou declarar os nomes dos dois Reitores, mas percebi real autenticidade em suas explanações). Os outros não puderam esconder ou disfarçar seus constrangimentos políticos em seus discursos e um deles esmerou-se nas críticas aos oito anos de governo do homenageado, sem se lembrar – o referido Reitor – que anteriomente ao governo Lula, os professores sofriam muito mais e apenas os professores-doutores, “medalhões” elitizados que viajavam para outros países às custas das Universidades Federais, recebiam salários exorbitantes e tinham casas de praia, chácaras e outros benefícios, e terminou o seu discurso crítico (se era uma homenagem a um Presidente que fez muito pelo Brasil, por que o tom crítico do excelentíssimo Reitor?) repleto de satisfação por ter recebido aplausos de uma plateia conivente (também não vou explicitar os nomes dos referidos Reitores).

Ainda terei muito para escrever sobre esta sexta-feira gloriosa de homenagem ao Presidente Lula, uma sexta-feira importantíssima para aqueles que verdadeiramente o admiram (e eu me incluo entre esses verdadeiros, desde o início de sua carreira política).

Quero deixar aqui os meus agradecimentos ao senador Lindbergh Farias, um jovem político carismático que ainda dará muito orgulho ao povo brasileiro, pois foi graças a ele que consegui entrar no Teatro João Caetano sem apresentar o tradicional convite. O senador Lindbergh foi de uma total gentileza, entendendo o meu desejo de aplaudir ao Presidente Lula e partilhar com todo aquele povo carioca, presente ao evento, um momento indescritível que ficará na História do Brasil destes anos iniciais do Século XXI.

Para finalizar, busquei no Site do Instituto Cidadania (
www.institutolula.org) a cópia do discurso do homenageado para os meus leitores (homenageado por real merecimento e porque o Estado do Rio de Janeiro não poderia deixar passar ao largo o bonde ou foguete interplanetário da História, enquanto o mundo todo, há tempos, já reconheceu o valor deste nosso brasileiro), repito, busquei para os leitores deste meu blog o discurso do incomparável cidadão brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, ex-Presidente do Brasil.

Abaixo, leiam o discurso do ex-Presidente Lula.


Amigos e amigas,

É com imensa honra que recebo os títulos de Doutor Honoris Causa das cinco universidades públicas do Rio de Janeiro.

E a minha honra é maior ainda por recebê-los conjuntamente, em uma única solenidade, nesse memorável Teatro João Caetano, de tanta importância na história cultural do Rio de Janeiro e do Brasil, e com a presença da presidenta Dilma, tão gratificante para mim e para todos nós que estamos aqui.

Agradeço de coração aos reitores e aos conselhos universitários, assim como aos professores, servidores e alunos da UFRJ, da UFF, da UERJ, da Rural e da UNIRIO por me concederem essas prestigiosas láureas e pela deferência de fazê-lo numa cerimônia compartilhada.

Estejam certos de que o dia de hoje, para mim, será inesquecível.

Antes de tudo, porque são alguns dos principais centros de excelência acadêmica do país que prestam essa homenagem. Instituições que respondem por boa parte da melhor produção científica e humanística brasileira. Seria impossível destacar aqui, mesmo sinteticamente, tudo de bom que essas universidades já fizeram, e fazem, nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil. Sem falar na extraordinária contribuição de seus ex-alunos ao progresso material e espiritual do país.

Vocês não podem imaginar o que significa para alguém como eu, que não teve as oportunidades escolares que todo jovem deveria ter, mas que sempre acreditou no potencial libertador do conhecimento, e que a vida inteira apoiou a luta pela educação, tornar-se Doutor Honoris Causa dessas magníficas universidades.

Mas também porque é o Rio de Janeiro que me homenageia.

Este Rio de Janeiro pelo qual tenho um profundo carinho.

Este Rio de Janeiro que frequento há quase 40 anos e onde me sinto perfeitamente em casa, como se tivesse nascido, crescido e vivido aqui.

Este Rio de Janeiro universalmente admirado, motivo de orgulho para todos os brasileiros, seja pelas suas incomparáveis belezas naturais, seja pela sua esplêndida arte popular e erudita. Não só pelo alto nível de sua vida intelectual mas também pela contribuição ao desenvolvimento nacional, de seus trabalhadores e de suas empresas, tanto públicas como privadas.

Mas, sobretudo, o que me faz amar o Rio – é o seu povo! Esses homens e mulheres livres, insubmissos, criativos, generosos, acolhedores. Nascidos aqui ou vindos de outras terras, mas igualmente banhados pelo inconfundível espírito carioca. Sempre prontos a sustentarem as bandeiras mais democráticas e emancipadoras. A maior riqueza do Rio de Janeiro é a sua gente. É por causa dela que, mesmo tendo deixado, há mais de cinquenta anos, de ser a capital política e administrativa do país, o Rio de Janeiro continua a ser – e sempre será, meu caro governador, – a capital da alma brasileira.

E o que me deixa mais feliz é essa nova época que o Rio de Janeiro está vivendo. Os cariocas e fluminenses recuperaram a sua auto estima. Voltaram a ter verdadeiras lideranças políticas e administrativas, capazes de enfrentar e resolver os problemas crônicos do estado e da cidade. A participação da sociedade está sendo formidável. Em parceria com o Governo Federal, o Rio de Janeiro tem cada vez mais sucesso no combate à criminalidade e nas diversas iniciativas de inclusão social. Além disso, os fortes investimentos industriais e de infraestrutura estão fazendo com que o Rio se coloque novamente na vanguarda econômica e tecnológica do país.

Amigas e amigos,

Entendo essa honraria não como um reconhecimento pessoal, mas como uma homenagem ao povo brasileiro que, nos últimos nove anos, realizou – pacificamente – uma verdadeira revolução econômica e social, dando um salto histórico no rumo da prosperidade e da justiça.

Depois das chamadas “décadas perdidas”, o Brasil voltou a crescer de modo consistente e sustentável, gerando empregos, distribuindo renda, promovendo inclusão social e reduzindo as disparidades regionais.

Deixamos para trás um passado de frustrações e ceticismo. Os brasileiros e as brasileiras voltaram a acreditar em si mesmos e na capacidade do país superar desafios. Graças a um novo projeto de desenvolvimento nacional, com intenso engajamento da sociedade nas políticas públicas, fomos capazes de tirar 28 de milhões de pessoas da miséria e de levar cerca de 40 milhões para a classe média, no maior processo de mobilidade social que este país já conheceu.

Resgatamos grande parte da nossa dívida com os pobres e excluídos e, ao mesmo tempo, modernizamos o país, preparando-o para os novos desafios do século XXI.

A descoberta de vastas jazidas de petróleo no pré-sal é a face mais visível – mas está longe de ser a única – da mudança de patamar científico e tecnológico do Brasil.

Conseguimos unir o econômico ao social, transformando o Brasil num enorme canteiro de obras e empregos. Por toda parte se viam – e se veem – obras de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, estaleiros, refinarias e usinas hidrelétricas. Ao mesmo tempo, não há município brasileiro onde o Governo Federal não tenha realizado – e continue realizando – significativos investimentos em saneamento básico e moradia popular, melhorando as condições de vida da população carente.

Segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, a desigualdade entre os brasileiros atingiu o menor patamar em 50 anos. Desde 2003, a renda per capita dos 50% mais pobres teve um ganho real de 68%, enquanto a renda dos 10% mais ricos aumentou 10%.

O consumo se ampliou em todas as classes, mas no segmento popular cresceu sete vezes ao longo de oito anos. De 2000 a 2010, segundo o IBGE, a mortalidade infantil caiu praticamente pela metade.

Os pobres passaram a ser tratados como cidadãos. Não governamos apenas para um terço da população, como se fazia antes, mas para todos os brasileiros.

Em todo esse processo, coordenando o PAC e o conjunto da ação governamental, a então ministra e hoje presidenta Dilma Rousseff teve um papel fundamental e até é chamada de mãe do PAC.

Amigos e amigas,

A educação foi um dos carros-chefe desse novo projeto nacional de desenvolvimento. Ela é o alicerce sobre o qual se constrói a igualdade social.

Sempre insisti que o dinheiro público aplicado na educação é um investimento e não um gasto, pois ajuda a construir um futuro mais digno para as pessoas e para o país. E, sem medo de errar, posso dizer que investimos muito.

No total, mais do que triplicamos o orçamento da educação, que saltou de 17 bilhões de reais, em 2003, para 65 bilhões de reais, em 2010.

Tínhamos que ousar, e foi assim que lançamos, em 2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação. O PDE é um conjunto articulado de 54 programas para fortalecer o sistema educacional público, com base em diagnóstico detalhado do setor. Ele se propõe a reduzir as desigualdades sociais e regionais na educação, ampliar a formação de professores e melhorar a qualidade do ensino, em parceria com estados e municípios.

O PDE tem caráter estruturante, com metas claras e um sistema transparente de avaliação dos resultados. A educação foi colocada como prioridade estratégica para o desenvolvimento do país, na busca de padrões de excelência das nações desenvolvidas.

O Brasil está conseguindo, com o PDE, superar a falsa contradição que vigorava nos anos 90, quando as políticas públicas tratavam como antagônicas a educação básica e a universidade. Pretendia-se, com aquele discurso, justificar o abandono a que havia sido relegada a rede federal de ensino superior. Mas a verdade é que nenhum outro nível de ensino foi realmente fortalecido.

Companheiras e companheiros, (eu estava com saudade de falar companheiras e companheiros)

Nosso governo provou na prática que é possível expandir e qualificar o sistema educacional como um todo, da pré-escola à pós-graduação.

Eu e o saudoso José Alencar fomos os primeiros brasileiros a chegar à Presidência da República sem possuir diplomas universitários. Parecia que tínhamos, mas não tínhamos. Pois bem. Orgulho-me de termos criado 14 novas universidades federais e 126 extensões universitárias, nas mais diversas regiões do país, democratizando o acesso ao ensino superior.

Simplesmente dobramos o número de vagas nas universidades públicas.

Além disso, garantimos, com o PROUNI, que mais de um milhão de jovens de baixa renda, alunos das escolas públicas da periferia, pudessem cursar o ensino superior. E essa oportunidade não foi desperdiçada: os jovens do PROUNI tem se destacado em quase todas as áreas, liderando os exames do MEC em várias delas. Ou seja: bastou uma chance, e a juventude brasileira refutou com firmeza o mito elitista de que a qualidade é incompatível com a ampliação das oportunidades.

Na semana passada, o IBGE nos deu uma excelente notícia: o percentual de brasileiros com ensino superior completo aumentou, em dez anos, de 4,4% para 7,9%. Em números exataos fica mais forte (Dilma ajuda: “de seis milhões para doze milhões”).

Tenho certeza de que a política de cotas raciais, que o STF referendou por unanimidade, contribuirá para tornar mais justo o acesso ao ensino superior.

Nos últimos anos, o Brasil também conquistou os maiores avanços na educação técnica e profissional de toda a sua história. Em 93 anos, haviam sido construídas no Brasil 140 escolas técnicas federais. De 2003 a 2010, entregamos 214 novas escolas técnicas, espalhando-as por todo o país, pois antes elas estavam concentradas nas regiões mais ricas.

A boa qualidade de ensino nas escolas técnicas federais também abre as portas das universidades, mesmo para quem trabalha de dia, porque aumentamos em muito o número de vagas nos cursos universitários noturnos.

E esses jovens tem que continuar sonhando, tem que lutar para alcançar o mestrado, o doutorado e para trabalhar nos diversos centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico que existem no Brasil.

Por exemplo, a nossa Petrobrás, por exemplo, investe centenas de milhões de reais nos seus centros de pesquisa e desenvolvimento, porque tem pela frente um dos maiores desafios de uma empresa de energia: a exploração das gigantescas reservas de petróleo e gás do pré-sal.

Os centros universitários de pesquisa e desenvolvimento também tem muito o que mostrar. A Lei de Inovação, aprovada em dezembro de 2004, impulsionou fortemente o setor.

O número de pesquisadores envolvidos em P&D passou de 125 mil no ano 2000 para 210 mil em 2008. E o número de patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) cresceu de 21 mil em 2000 para 280 mil em 2009.

Amigos e amigas,

As metas educacionais da Presidenta Dilma são ainda mais arrojadas.
O Brasil ampliará progressivamente o seu investimento em educação, até atingir 7% do PIB em 2020 (na verdade era até 2014). O Plano de Expansão da Rede Federal de ensino Superior prevê a construção de 51 novos campi e 208 novos Institutos Federais de Educação.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego, o PRONATEC, vai beneficiar 8 milhões de brasileiro aprendendo o curso de uma profissão. A Presidenta Dilma, com o extraordinário programa “Ciência sem Fronteiras”, também criou mais de 100 mil bolsas de estudo para que os jovens brasileiros possam se aperfeiçoar no exterior.

E uma parte significativa dos recursos do pré-sal vai impulsionar ainda mais a educação e a pesquisa científica.

A meta do Plano Nacional de Educação, válido de 2011 a 2020, é garantir que todas as crianças e jovens, dos 4 aos 17 anos, frequentem a escola, e uma escola de boa qualidade. Até você, Pitanga, vai poder voltar para a escola com o Plano Nacional de Educação.

Eu, que antes do diploma de Presidente da República tinha somente o diploma de torneiro mecânico do SENAI, sei o quanto a educação é capaz de mudar a vida de uma pessoa, de uma família ou de uma nação.

Pois foi aquele diploma que me abriu a oportunidade de um emprego e de uma vida melhor.

Por isso, quero dedicar esses importantes diplomas de Doutor Honoris Causa a todos os que contribuem, com a sua inteligência e o seu esforço, para melhorar a qualidade da educação no Brasil, dando esperança a milhões de jovens, e construindo um país mais justo e solidário.

Muito obrigado.